95% das vítimas de homicídio em Sobral são negras, aponta estudo

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De acordo com os dados fornecidos pelo Datasus compilados pela UGP-PV, no acumulado dos primeiros semestres dos anos de 2015 a 2020, o número de vítimas negras representa 95,6% do total de homicídios ocorridos em Sobral (com informação de cor/raça identificada) enquanto brancos representam 4.4%

Muito se têm visto sobre racismo estrutural e sua influência na organização da sociedade brasileira. A Célula de Estudos de Mortes Violentas da UGP/PV realizou alguns questionamentos e orientações acerca da correlação entre o racismo estrutural, a desigualdade social e os homicídios entre a população negra.
A partir de estudos de casos de adolescentes e jovens assassinados/assassinadas foi possível identificar fatores que determinam a desigualdade social (consequência do racismo) e a culminância na morte violenta. Mas, quem são as pessoas vítimas de homicídios? Já se sabe que a maioria das vítimas de assassinatos são pessoas pobres, jovens e que residem nas periferias.
Com base em dados territoriais a morte dessas pessoas não se dá apenas no disparo final da arma de fogo. A filósofa Sueli Carneiro explica a existência de uma morte simbólica provocada contra jovens negros chamada de epistemicídio que se configura “pela negação aos negros da condição de sujeitos de conhecimento, pela imposição do embranquecimento cultural e pela produção do fracasso e evasão escolar.”.
As evidências mostram que a morte desse/dessa adolescente/jovem vai se dando desde o ventre da sua mãe, quando não se têm a participação do seu pai em seu desenvolvimento na infância, quando a escola não compreende a dificuldade do aluno em permanecer na sala de aula, quando o CRAS não atualiza o Cadastro Único da sua mãe e não fez o devido acompanhamento da família, quando a praça ao lado da sua casa não tem estrutura para socialização e não têm iluminação adequada em sua rua, quando sua família tem dificuldade ao acesso ao trabalho e renda, dentre outros múltiplos fatores. É morte simbólica compondo o histórico processo de genocídio de negras e negros, uma população que vive a desigualdade social, racial e econômica produzida historicamente pelo Estado brasileiro.
O Atlas da Violências (2019) detalha que no ano de 2017 o número de homicídios entre a população negra é de 75,5% , e o estado do Ceará se destaca entre os 05 estados com as maiores taxas de assassinatos desta população em que a cada 100 mil habitantes a taxa é de 75,6, colocando o estado em segundo lugar.
De janeiro a junho de 2020, o município de Sobral totalizou 59 pessoas vítimas de homicídio, em comparação ao ano de 2019 que foram de 27 pessoas. Assim, o número de assassinatos dobra nesse período e evidencia que as políticas públicas devem avançar no cuidado às pessoas e famílias vítimas da violência letal. Nesse mesmo período, a porcentagem das mortes causadas por arma de fogo é de 76,7%. Isso coloca em discussão a construção e prática de políticas de extermínio da população negra em relação ao porte de arma de fogo. Afinal, a bala é perdida e talvez atinja o corpo negro e periférico ou a bala é achada e têm direção certa ao corpo negro?
De acordo com os dados fornecidos pelo Datasus compilados pela UGP-PV, no acumulado dos primeiros semestres dos anos de 2015 a 2020, o número de vítimas negras representa 95,6% do total de homicídios ocorridos em Sobral (com informação de cor/raça identificada) enquanto brancos representam 4.4%.
Os estudos de mortes violentas que a Célula de Estudos de Mortes Violentas realiza, trazem evidências das relações entre a desigualdade social pautada no racismo e a trajetória de vida de adolescentes e jovens assassinados/assassinadas. Os estudos realizados no município de Sobral revelam necessidades de tecnologias socioterritoriais como critério de evitabilidade de futuras mortes. O percurso de vida da maior parte desses óbitos se assemelham e nos dizem que são pessoas entre 10 a 29 anos de idade, do gênero masculino, residentes de periferias e em sua maioria negra, tornando notória as desigualdades e as manifestações do racismo estrutural.
O número exposto nas pesquisas envolvendo vítimas de homicídios são vidas que possuem histórias de vida e devem ser narradas, bem como já se têm nos materiais biográficos da pesquisa Cada Vida Importa. A partir dessas trajetórias há a sinalização da imbricação das narrativas de vida, as altas taxas de assassinatos e o racismo estrutural. Ora, se essa maior parte da população que é assassinada todos os dias não teve acesso a educação e saúde de qualidade, moradia digna, praças e quadras esportivas equipadas, viagens, terapia, dentista, oportunidade de desenvolvimento motor e psíquico, aulas de reforço, intercâmbios, trabalho e renda, como irão chegar ao podium se na corrida estão, no mínimo, dez voltas atrás? É necessária a compreensão de como se estruturam as oportunidades de vida que caem no abismo das narrativas meritocráticas, uma vez que reforça a normatização das estruturas hierárquicas e manutenção do poder.
O racismo atravessa as discussões sobre violência, então a correlação entre o racismo estrutural e o genocídio do povo preto denuncia as desigualdades sociais e econômicas e, também, anuncia a necessidade de novos arranjos das políticas públicas. A Célula de Estudos de Mortes Violentas recomenda que as estratégias formativas tenham como princípio a equidade, portanto, a formação dos/as agentes que atuam com políticas públicas deve ter ações com objetivo de diminuir as desigualdades. Além disso, é urgente a mudança de paradigma nas políticas públicas, com a adoção de modelos e metodologias intersetoriais, transversais, atentas às demandas do território e tendo uma perspectiva inegociável de atuação na qual cada vida importa.

FONTE: Observatório da violência UGP- Sobral

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