A doutrina social da Igreja
A fé cristã é um ato de liberdade; é fruto de uma experiência pessoal de encontro com Jesus Cristo, que consequentemente requer abertura de coração e de mente para acolher e assumir a responsabilidade social daquilo que se acredita. Ela ilumina o intelecto para compreender melhor o projeto de Deus sobre a criação e sobre a vida e o destino do ser humano, chamado à comunhão trinitária.
A fé que acolhe a palavra divina e se empenha para pô-la em prática, interagir eficazmente com a razão. A inteligência da fé, em particular da fé orientada à práxis, é estruturada pela razão e vale-se de todos os contributos que esta lhe oferece.
A Igreja cônscia de sua missão de evangelizar, sabedora de que a dimensão social lhe é essencial e ineludível, atenta aos sempre novos desafios e ciente de que “a norma fundamental do Estado deve ser a prossecução da justiça e que a finalidade de uma justa ordem social é garantir a cada um, no que diz respeito ao princípio da subsidiariedade, a própria parte nos bens comuns” (Bento XVI), foi elaborando ao longo do tempo sua própria doutrina social apoiada na lei natural, no Evangelho de Cristo e na tradição da fé.
Suas análises, indicações e propostas não pretendem conferir poder sobre o Estado; nem quer impor, àqueles que não compartilham a fé, perspectivas e formas de comportamento que pertencem a esta. Deseja simplesmente contribuir para a purificação da razão e prestar a própria ajuda para fazer com que aquilo que é justo e em vista do bem comum possa, aqui e agora, ser reconhecido e, depois, também realizado.
Diante das diversas questões e desafios sócio-político-econômicos urge discernir em cada circunstância o verdadeiro bem e escolher os meios adequados para cumpri-lo. Isso pressupõe clarificar e avaliar a situação, abrir-se à inspiração do Espírito e sondar o necessário e viável para desenvolver uma ação eficaz. Tais atitudes favorecem decisões coerentes, realistas e orientadas pelo senso de responsabilidade.
A atual crise mundial escancarou desigualdades galopantes que o modelo produtivo globalizado impôs sobre as populações. Diante desse quadro, readquirem importância os valores da vida, da justiça e do cuidado.
Promover aspectos da Doutrina Social da Igreja, sobretudo no tocante aos temas da política, do bem comum, da ética, do cuidado da Terra e da vida em todas as suas manifestações e especialmente da vida humana, desde a sua concepção até o seu ocaso natural, pode preencher, por exemplo, um vazio ocupado atualmente por espiritualidades tortas e desviadas.
Dom Jaime Spengler – Arcebispo de Porto Alegre