A espiritualidade da Quaresma

Na última quarta-feira, dia 17, iniciamos o tempo quaresmal. Tempo favorável de conversão e de revisão de vida. Este ano, ainda sofrendo as consequências de uma pandemia que ceifou milhões de vidas, somos chamados a repensar o valor da vida e a forma como temos nos comportado quanto a este valioso dom de Deus.
A espiritualidade da Quaresma é iniciada na quarta-feira de cinzas, quando a liturgia nos relembra que “somos pó e ao pó haveremos de retornar”. O esbanjamento das realidades terrenas, o apego às glórias e vãs riquezas deste mundo são, no mínimo, questionadas por essa máxima da Sagrada Escritura. É uma antiga filosofia judaica, segundo a qual tudo neste mundo é efêmero e se acaba em cinzas.
A partir disso, a Igreja nos propõe uma sincera reflexão sobre os rumos e as motivações da nossa caminhada cristã. Antes de participarmos das festividades da Páscoa, passamos pelo recolhimento quaresmal. De fato, não há como distinguir a teologia da glória da teologia da cruz. Ambas estão unidas. A glória e a cruz fizeram parte da vida de Jesus e fazem parte da vida do cristão.
É um caminho salutar que, entre outros efeitos, nos prepara para os sofrimentos da vida, pois nos é apresentada a imagem de Jesus em seu sofrimento. É o servo sofredor, obediente ao Pai até à Paixão e à Cruz, nos oferecendo a maior lição de amor de entregar-se pelos seus.
Além disso, as reflexões quaresmais nos conduzem a meditar sobre os pecados e a fraqueza humana. A proposta é de conversão e reconciliação com Deus. Segundo a mística dos padres do deserto, devemos desenvolver uma espiritualidade a partir de baixo, ou seja, a partir de nossas paixões, inclinações, feridas e enfermidades espirituais. Em nossas míseras fraquezas, encontramos a grandeza e a fortaleza de Deus.
A própria ambientação de nossas igrejas, que se revestem de roxo, nos relembra a sobriedade e a austeridade, profundamente enraizadas em um aspecto penitencial. Somente quem se dispõe a trilhar o caminho quaresmal com seriedade, vivendo toda a sua riqueza litúrgica e espiritual é capaz de perceber os frutos da graça de Deus em sua vida. É preciso, pois, revestir-se das “armas da penitência cristã”: a oração, o jejum e a prática da caridade.
Portanto, os exercícios espirituais da Quaresma nos ajudam a lutar contra os apegos do mundo, as vaidades, o orgulho e tantos males humanos que afastam o mundo de Deus. É preciso avançar para as águas mais profundas do nosso ser e mudar o que precisa ser mudado, afinal, o tempo passa, tudo se transforma em cinzas, só Deus permanece.



