A fé de Abraão

Por Denilson Santos – Seminarista do Seminário Propedêutico São José
Os nervos se exaurem por completo, a mente turva se reprime a cada minuto. Ah, tanta espera, tanto gozo e alegria da chegada daquele filho, cujo nascimento elevou a alma ao mais terno e infinito agradecimento da parte de Abraão para o Senhor, e de repente, esse mesmo Senhor o manda sacrificar seu único filho, nascido em meio ao impossível, em idade avançada, levando-o para o abate:
“Depois disso, Deus provou Abraão, e disse-lhe: ‘Abraão!’. ‘Eis-me aqui’ – respondeu ele. Deus disse:’ Toma teu filho, teu único filho a quem tanto amas, Isaac; e vai à terra de Moriá, onde tu o ofereceras em holocausto sobre um dos montes que eu te indicar.’” (Gn 22, 1).
Depois de terem selado o jumento e pegado a lenha para o holocausto, no terceiro dia, Abraão avistou o lugar de longe e pôs sobre os ombros de seu filho a lenha, e consigo levou a faca e o fogo. No caminho, desprovido de compreensão, o pobre filho de Abraão pergunta:
“Meu pai, temos aqui o fogo e a lenha, mas onde está a ovelha para o holocausto?” (cf. Gn 1, 7).
O pai Abraão, envolvido por aquele singelo sentimento paterno, certamente crendo que veria seu único e amado filho crescer e que agora o vê se esvair por entre os dedos das mãos, os quais muito se juntaram para pedir ao Senhor coragem e força para prosseguir no desconhecido, tornou-se a prova do momento mais aterrorizante de sua vida.
Deus pôs Abraão à prova. Chamou-o pelo nome, chamou-o como já fizera muitas vezes. Abraão já conhecia aquela voz, sua doçura e suas exigências, sua proximidade e simultaneamente sua horripilante distância. O Senhor o chamou com o nome novo que lhe dera, de Abrão para Abraão, e que agora, no caminho de Moriá, entra em contradição. A exigente voz o tinha prometido uma multidão de descendentes, mas sem Isaac, isso seria impossível. A coisa mais preciosa da vida de Abraão, motivo de alegria e sorriso, tornou-se oferenda. O motivo de sua partida e vivência. Sendo Isaac a razão e garantia da posteridade de Abraão, fidelidade e promessas de Deus, razão seguinte de sua vida aqui na terra, o motivo de rir e sonhar do velho pai, ousaria dizer que ele poderia ter evitado tamanha angústia, mas Abraão, já excedendo na idade, jamais teve outra resposta para Deus.
O holocausto, símbolo da degradação material da vítima, um tipo de sacrifício no qual a oferenda, depois de morta, deveria ser totalmente queimada para significar a oferta irrevogável a Deus. Abraão mataria a vítima e depois a queimaria, e o resto de seu amor no sangue se desfaria em pó e fumaça oferente a Deus. Isso tornou-se próximo de nosso pai Abraão quando Deus propôs que seu filho, a quem tanto amava, se submetesse a tamanha .
Deus não nos quer sob condições. Prova-se isso em Abraão. Deus lhe removeu tudo: o lugar onde morava, o velho nome que usava e, no último momento, a razão da sua ínfima vaidade. Perseguiu-o até o fim, extraindo da vontade humana, as prestezas e proezas com as quais o levaria ao seu distanciamento de Deus. Não afirmo isso porque o problema era Isaac, mas porque a razão de tamanha provação era o próprio Abraão. Deus colocou em crise a sua própria existência. Realizar um ato de heroísmo pode haver uma certa lógica, talvez um sentido. No entanto, o que se passa no sacrifício de Isaac não se dá explicação por parte de Deus. Se quer pergunta ao oferente a coragem de realizar tal ato.
Já aos 75 anos, depois de uma vida de espera e de expectativa, Deus o concede um filho, um herdeiro e um fruto para a grande promessa da descendência. Como que depois de tanto tempo, já cansado e velho, ao qual só restaria o trabalho de guardar seu filho muito amado para preparar-se para cumprir a promessa de Deus, tira-o de si a animosidade da vida? Que sentido tem tamanha barbaridade que poderia aniquilar toda a fé de uma vida?
Abraão mais uma vez acreditou. Tamanho abandono e confiança, desconcertou-se e obedeceu. E a vós, caro leitor, já sabeis o que se segue nessa história. Entre nós, meros mortais cuja fé não ultrapassa sequer um grão de mostarda, julgamo-nos deuses. A nós só é cobrado a fé de Abraão que acreditou sem reserva e obedeceu, mesmo diante de tão grande incompreensão.
E o anjo do Senhor o chamou do céu e disse:
“‘Abraão, Abraão! (…) Não estendas a mão contra o menino! Não lhe faças nenhum mal! Agora sei que temes a Deus: tu não me recusaste teu filho, teu único.’” E ainda: “‘Por tua posteridade serão abençoadas todas as nações da terra, porque tu me obedeceste’” (cf. Gn 22, 11-19)



