Apelos à cidadania
Muitos apelos ao exercício da cidadania devem sensibilizar e tocar a sociedade brasileira, urgentemente, pois o atual contexto impacta preocupantemente a subjetividade dos cidadãos. Reações e pronunciamentos, decisões e escolhas mostram que há carência de destreza humanística. Consequentemente, contribuem para efetivar situações perigosas, prejuízos irreversíveis, encenando descontroles e destemperos arriscados que impedem o desenvolvimento integral e a construção da paz. É nesse cenário que são acentuadas as polarizações, apontando a necessidade de se dar devida atenção aos apelos à cidadania. Urgente é a purificação de paixões e sentimentos que desmontam os mais basilares princípios de civilidade.
O fenômeno das polarizações impacta diferentes realidades, a exemplo do campo esportivo, agravando confrontos entre torcedores. Contamina instituições e fortemente atinge o mundo da política. Há de se cuidar muito, com a contribuição de todos, para que a veloz circulação de informações, posicionamentos e manifestação de sentimentos não seja temperada por intolerâncias. Cada cidadão deve, pois, fazer uma pausa, repensar-se, avaliando seus pontos de vista, suas reações, para assumir o firme propósito de se posicionar adequadamente – de modo sempre colaborativo e dialogal, considerando, acima de tudo, o bem comum. Na contramão deste caminho, há uma crescente difusão de posicionamentos contaminados por parcialidades e preconceitos, fenômeno impulsionado com as facilidades oferecidas pelas redes sociais.
As facilidades tecnológicas que possibilitam a circulação de opiniões variadas precisam ajudar a constituir espaços para o diálogo, capazes de inspirar entendimentos. Nessa perspectiva, é preciso ter cuidado para não acirrar batalhas, agravadas por mecanismos desleais, a exemplo das fake news, do gosto mórbido por certos conteúdos que desrespeitam individualidades, acentuando preconceitos e ódios. Especialmente neste ano eleitoral, deve-se acolher um forte apelo à cidadania, para que sejam seguidos os parâmetros da Política Melhor, explicitada no capítulo cinco da Carta Encíclica Fratelli Tutti, do Papa Francisco. Não se pode tratar a política como um jogo de paixões, defesa de uns pela perversidade dos ataques a outros. Sem investir na amizade social, a política se torna exercício de guerra e de desacatos, das agressividades e das disputas, jamais uma prática a serviço do bem comum.
Às vésperas da oficialização de candidaturas, às portas da campanha eleitoral, os brasileiros devem exercer a cidadania com zelo, cuidando para que ódios não pautem discussões ou a defesa de valores. Isto requer muita serenidade. Importante lembrar aos cristãos um princípio orientador de sua mística existencial e relacional: os místicos acentuam sempre que os cristãos, nesta vida, não têm uma cidade permanente, mas estão em busca daquela que há de vir, o reino definitivo. Por isso, os cristãos têm o dever de fecundar, neste tempo de passagem, a cidade onde vivem com os valores do reino de Deus, pela vivência exemplar de uma cidadania fundamentada na amizade social. É uma incoerência fazer da vida um campo de batalha, onde são defendidos valores e princípios a partir do ódio e do preconceito. As diferenças que caracterizam toda coletividade precisam ser inteligentemente administradas para que gerem entendimentos construtivos, sem massacres e seus resultados demolidores. Assim, populismos que incentivam polarizações não se justificam, pois prejudicam todos, inclusive com impactos negativos na vida democrática.
Contraponto às polarizações, investir na solidariedade está entre os fortes apelos à cidadania neste momento, para que as eleições não se tornem fenômeno demolidor. A solidariedade é remédio que cura ódios e indiferenças, quando assumida como virtude moral e comportamento social. Ela oferece aos cidadãos a possibilidade de muitas e urgentes correções. Nesta direção, sabe-se do papel fundamental da família, lugar privilegiado para a educação da convivência, por meio de uma experiência autêntica de amor. No contexto familiar exerce-se a administração das diferenças, aprendendo a escutar diferentes apelos, gerenciar escolhas que muitas vezes se conflitam. Um aprendizado a ser levado para o exercício da cidadania, para o ambiente da política, garantindo mais qualidade ao relacionamento humano.
O caminho da solidariedade, da abertura para o encontro com o outro, o diferente, que também é irmão, exige o afastar-se da sensação de onipotência, arma perigosa. Todos precisam reconhecer-se frágeis, fixando o olhar no rosto de cada irmão e irmã, para desenvolver o gosto pela solidariedade, pelo diálogo. Abre-se, assim, o bonito caminho para a colaboração, efetivando lógicas que respeitem a casa comum, o sentido da fraternidade universal. Sem investimentos nos muitos apelos à cidadania, especialmente para que haja humildade e sinceridade no coração, limpo do ódio e do preconceito, a sociedade brasileira não conseguirá fazer das eleições um singular momento para fortalecer a democracia. Atrasos e perdas continuarão a prejudicar o bem comum. Os maus presságios relacionados ao período eleitoral, com sinais de que será um “tempo de guerra”, um “salve-se quem puder”, sejam transformados a partir da acolhida aos apelos à cidadania.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte – Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)