Canudos; quem disse que não somos nada?

Lucas Monteiro Barbosa
seminaristalucas18@gmail.com
“Palmares, Caldeirões, Canudos são lutas de ontem e de hoje também”. Este trecho da canção Ofertório do povo, de Zé Vicente, muito comum, sobretudo nas comunidades rurais, lembra de algumas lutas que ficaram marcadas na história do Brasil e que ocorreram no Nordeste. Estas lutas expressaram o antagonismo entre o litoral e o sertão que, desde a colonização do Brasil, caminhava para uma guerra cruenta. A eclosão deste antagonismo fora a Guerra de Canudos, que deixou marcas perenes na cultura nordestina como um dos marcos da luta do próprio nordestino por seu direito de exercer sua cultura, de se confirmar como um povo. Apesar da forte repressão, “Canudos não se entregou” e está imortalizada no folclore do Nordeste sendo um dos principais capítulos de sua história.
Com seus discursos eloquentes, anunciando o retorno de Dom Sebastião, denunciando o descaso da realidade do povo, pregando contra a república e envolto de misticismos, Antônio Conselheiro muito incomodara as autoridades civis e religiosas. Quando se estabeleceu com seus seguidores às margens do rio Vaza-Barris, fundando a comunidade de Belo Monte, conhecida como Canudos, em 1893, despertou ainda mais o incômodo das autoridades. A Igreja se preocupava com seus ensinamentos messiânicos e, segundo a própria Igreja, fanáticos. O governo, por sua vez, se preocupava com a autonomia de Canudos – que se negava a pagar impostos – e do suposto intento monarquista. Os jornais da época ajudaram a propagar as especulações envoltas de preconceitos. A intervenção militar fora inevitável.
Em pouco tempo, Canudos passou a ter a segunda maior população do estado da Bahia, perdendo apenas para a capital. À luz do evangelho e do exemplo dos primeiros cristãos, tudo era divido. Não havia propriedade privada, com exceção de objetos pessoais. Nas duas igrejas erguidas pelo povo, havia, todo dia, as rezas, entretanto, ninguém era obrigado a participar, como destacou Antônio Vilanova, que fora comerciante em Canudos. Desde a chegada dos primeiros habitantes, juntamente com o beato, Canudos ia crescendo assustadoramente, não havia um dia, salvo os domingos, que não se construíssem casas.
Era toda sorte de sertanejos vindos de vários estados, a maioria fugindo da pobreza e perseguições. Em Canudos havia muitos ex-jagunços de coronéis, agora, desarmados. Não havia venda nem consumo de bebidas alcoólicas. Duas igrejas foram erguidas no centro da cidade, vale ressaltar a estrutura de ambos os templos, não muito diferentes das igrejas de cidades maiores e até das capitais. O Conselheiro tinha seus homens de confiança na manutenção e proteção do arraial. Apesar da seca que castigava a região, Canudos vivia autonomamente em prosperidade para os padrões da época e nas conjunturas da região. A guerra se iniciou em novembro de 1896. Apesar da morte do líder, a 22 de setembro de 1897, Canudos continuou resistindo até o “esgotamento total” em 05 de outubro do mesmo ano. Muitos dos prisioneiros, derrotados em roupas andrajosas, foram sumariamente executados. Houve, é bem verdade, alguns fugitivos, como Antônio Vilanova, que retornou a Assaré – CE, saindo do arraial na calada da noite, mas nada que desqualifique Canudos como um reduto de indômitos guerreiros. Sua luta reverbera até os dias presentes. Expressando todos os bravos conselheiristas, Conselheiro é um ícone da cultura nordestina. Talvez, a frase que mais resuma Canudos e todo o Nordeste tenha sido a de Euclides da Cunha para se referir a Canudos em seu mais ilustre livro, Os sertões: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”.



