O inusitado

No alvorecer do dia 22 de dezembro de 2001, a cidade dormia tranquila, quando de repente uma terrível notícia foi acordando os marquenses e deixando em pânico crianças, jovens e adultos. Todos ficaram atônitos, estarrecidos, de modo especial nós, os Filhos de Sião.
Era sábado, os raios solares tinham acabado de despontar, entre cinco e cinco e meia da manhã. Ninguém podia acreditar que o nosso santo e amado Monsenhor Waldir tinha partido de uma forma tão trágica! Uma coisa era certa, foi acidente. Ninguém tiraria a vida daquele que tinha conquistado o coração de cada paroquiano. Monsenhor era pai, conselheiro, amigo e irmão. Foram 37 anos 9 meses e 14 dias de intenso pastoreio. Ele conhecia família por família e por todas elas tinha grande carinho. Sua casa era celeiro de pobres e desprotegidos. Ninguém ia a ele para sair de mãos vazias. Por isso e outras coisas foi cognominado de Pai dos pobres.
No dia 21, um dia antes do acidente, tive a graça de estar com ele e lhe falei: – Monsenhor, já é quase natal e você ainda não nos chamou para o programarmos. Afinal, ele gostava de dramatizações, de danças, de um natal celebrado com novos métodos, novas expressões, mas apenas respondeu-me: – Foi. Logo vi em seu semblante uma despreocupação, fiquei pasmada. Depois compreendi que naquele natal não tinha espaço para apresentações, danças, e outros, e sim, muitas lágrimas – um mar de lágrimas–, foi um natal envolto ao pranto, à dor e ao lamento. A saudade nos arroubava, que horrível! Tudo lembrava ele.
Voltando “àquele dia,” fui compungida ao terrível local do acidente. O coração disparado, as carnes trêmulas, um sentimento de pânico. O que vi? Quase nada: uma pequena mancha de sangue e uns cabelinhos de sua cabeça cravados na pista. No meu coração a interrogação: Como uma comunidade católica tira a vida do seu pastor? O fato não tinha explicação, nem nunca terá! Curioso é que o Monsenhor tinha partilhado numa reunião do CPP da necessidade de fazer caminhada em vista da sua saúde e que só a fazia de segunda a sexta, pois achava o sábado perigoso. Tinha medo das pessoas que podiam transitar bêbadas dirigindo, vindas das noites de orgias. Então, aquele dia era sábado, e a pequena cidade de Marco havia vivenciado uma noite de festa! Para que explicação vivamos os mistérios insondáveis de Deus.
Apesar de estarmos inusitados, naquele triste dia logo nos reunimos na Casa da Paz para clamar por sua vida, pois aguardávamos notícias da Santa Casa de Misericórdia. Sabíamos pelos relatos que as chances eram mínimas. Enquanto clamávamos, às oito horas da manhã, recebemos a triste confirmação: Faleceu! Faleceu enquanto se submetia a uma tomografia. Luto! Que triste luto! Não tivemos tempo para nada, tudo aconteceu muito rápido. Logo, às onze horas, seu corpo já estava entre nós. Tive a honra de ajudar a vestir os paramentos sacerdotais pela última vez; às quatorze horas, já estávamos celebrando a missa de corpo presente e às dezesseis horas estávamos a caminho do cemitério. Ninguém entendia tanta pressa. Por que não pudemos velar seu corpo a noite toda, chorar a perda? Quantos irmãos chegaram das capelas e nem o encontraram mais? Havia uma pressa. Pela forma da dor, ninguém questionou, nem eu! Será que até os céus precisavam dele tanta assim? Um dia na eternidade entenderemos tudo.
Vim do cemitério com um vazio, uma dor tão comovente. Parte de mim tinha ido embora, devia a ele toda a vida sacramental e espiritual. Por muitas noites pedi a Deus para conversar com ele ainda que em sonho, não fui atendida. Porém temos infundido dentro de nós seus ensinamentos, seu modo de viver e amar. Perdemos um pai, perca irreparável!
Como é dolorido cortar o cordão umbilical. Monsenhor quem acompanhou o momento em que o Espírito Santo irrompeu nossos corações e fez desabrochar o Carisma. Foi ele quem nos nomeou Filhos de Sião, e ao ecoar de suas homílias, plasmamos a forma dos Filhos de Sião, este carisma novo na Igreja. Sobre a guarda do seu pastoreio realizamos o evento inesquecível: o Kairós. De modo geral, Monsenhor foi o instrumento utilizado por Deus para que o Espírito Santo pudesse agir na Paróquia de São Manuel. Ele próprio bebeu do derramamento do Espírito Santo, por isso tornou-se uma alma apaixonada, um homem aberto ao uso dos dons carismáticos, e assim, embalado pela força do Jubileu, escancarou as portas para que a Renovação Carismática Católica cumprisse sua missão.
Os primeiros passos da RCC no Marco aconteceram a partir de 1985, porém seu desenvolvimento só acontece a partir de 1995, com a sua aceitação e compreensão. Ele mesmo explicitou em vinte de maio de 1996: “estou convencido agora, depois da instrução da CNBB, da importância da RCC”. Somos o que somos graças ao seu pastoreio, graças à sua preocupação em desenvolver filhos íntegros e verdadeiramente comprometidos com o Evangelho, com a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Servo de Deus Mons. Waldir, intercedei por nós.
Vander Lúcia Menezes Farias – Fundadora da Comunidade Filhos de Sião

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