Dom José Tupinambá da Frota: 60 anos de sua morte
Por Silveira Rocha
Jornalista
Dom José Tupinambá da Frota nasceu em Sobral, em 10 de setembro de 1882, morrendo nesta mesma cidade em 21 de setembro de 1959, sendo sepultado na Catedral de Nossa Senhora da Conceição da Caiçara, a Sé de Sobral, na capela do Santíssimo Sacramento, cujo epitáfio em mármore, contém as palavras: “Ad pedes Domini pie requiescat”.
Era filho de Manuel Artur da Frota e Raimunda Artemísia Rodrigues Lima, Fez os estudos primários na cidade natal, vindo a concluir o curso secundário no seminário de Salvador, ingressou na Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, recebendo o grau de Doutor em Teologia e Filosofia em 1902.
Foi ordenado presbítero em Roma em 29 de outubro de 1905, após haver estudado na Pontifícia Universidade Gregoriana e residido no Colégio Pio Brasileiro.Retornando ao Brasil, em 1906, voltou a Sobral ajudando o Pe Diogo da Frota, seu tio, então pároco. Em 1907, a convite de D. José de Camargo Barros, lecionou Teologia Dogmática, Ética e Liturgia no Seminário da Ipiranga, em São Paulo.
Em 1908, retornando ao Ceará, foi nomeado pelo Bispo de Fortaleza dom Joaquim José Vieira, vigário de Sobral, uma das principais cidades do Ceará e berço da tradicional família Frota, de cuja casa era membro.
Em 1916 foi criada a Diocese de Sobral pela bula Catholica e Religionis Bonum, do Papa Bento XV, que em conjunto com a Diocese do Crato (1914) compunham a Província Eclesiástica do Ceará,(1915), com sua Arquidiocese em Fortaleza.
Por influência do Metropolita, dom Joaquim, junto ao Núncio Apostólico, o então Monsenhor José Tupinambá da Frota foi nomeado e sagrado como o 1º Bispo de Sobral. Foi sagrado bispo na Catedral de Salvador, na Bahia em 29 de junho de 1916, por D. Jerônimo Thomé da Silva, arcebispo primaz do Brasil, tomando posse solenemente em Sobral em 22 de julho do mesmo ano. A cidade explodiu de satisfação e orgulho.
A escolha do Monsenhor José Tupinambá ocorreu de forma muito reservada, a fim de evitar-se influências – e fofocas- das lideranças locais nessa nomeação. E surpreendeu os sobralenses, pois, embora cogitada e esperada, não se imaginava tanta celeridade na criação da diocese e designação de seu bispo. Dom José tinha o perfil ideal desejado pelo Arcebispo de Fortaleza, tanto moral quanto intelectual, pois nesse momento histórico a Igreja Católica no Ceará e no Brasil, com a liderança de Cardeal dom Sebastião Leme, arcebispo do Rio de Janeiro, entrava numa nova era de reestruturação.
O projeto político da Igreja no início da década de 1920, tinha os bispos como os principais líderes. Propunha-se uma restauração católica, cujas diretrizes fundamentavam-se na superação do laicismo da Primeira República, quando a Igreja perdeu sua condição de religião oficial, o ensino religioso, a instituição do casamento civil, combate ao socialismo e ao comunismo de forma radical, reforço à hierarquia e a autoridade, uma ênfase na participação em todas as esferas da sociedade, tendo como vértice a formação das elites católicas, círculos operários e até partidos políticos, como foi o caso da Liga Eleitoral Católica (1932), que se instalou em Sobral (22 de novembro de 1932) com a participação direta de Dom José, que entra em confronto com a oposição liderada pelo juiz José Saboya, tendo dom José saído vitorioso dessa disputa, usando como pseudônimo Chico Monte, de quem seria aliado por muito tempo.
Dom José foi um estudioso da genealogia e sócio correspondente da Academia Cearense de Letras, do Instituto do Ceará e de igual maneira do Instituto Brasileiro de Genealogia.
Um dado curioso sobre dom José, foi a outorga do Título Palatino de Conde Romano da Santa Sé, que lhe teria sido agraciado por Pio XII. Esse título causa muita confusão entre os não informados, pensando-se tratar-se de uma outra designação de bispo e de forma geral diz-se de forma equivocada Bispo-Conde de Sobral.
A Santa Sé outorgava títulos de nobreza a bispos e pessoas que lhe prestavam relevantes serviços, resquícios da Monarquia Papal e dos Estados Pontifícios, abolidos no Século XIX, de forma que no Ceará foram agraciadas somente duas pessoas com títulos nobiliárquicos pontifícios, sejam, dom José, como Conde e Guilherme Studart, como Barão por Leão XIII em 20.01.1900. No Brasil 13 bispos receberam títulos nobiliárquicos de condes, como também outras personalidades leigas receberam títulos diversos, computando-se 61 titulares.
Fato é que a elite sobralense via-se com esse título, outorgado a dom José, de certa forma enobrecida também. Ele um teocrata como o foi, aristocrático e vaidoso é elevado a patamares superiores e pode sobrepor-se sobre os seus pares e conterrâneos e tratar com as autoridades políticas brasileiras como um superior: Ele é mais que um simples bispo diocesano é um nobre!
Dom José Tupinambá da Frota implantou um modelo de Igreja Católica Romana dentro dos padrões e diretrizes da Santa Sé, tanto liturgicamente como moralmente. Autoritário, era muito intransigente e exigente com seus padres e também com os leigos.
Certo padre de sua diocese, já falecido, lamentava-se do mesmo não haver-lhe permitido pagar a contribuição ao então INPS nada além que 1 salário mínimo… Orgulhava-se de não haver uma só igreja protestantes dentro de suas fronteiras eclesiásticas. Era afeito a grandes “pontificais”, nos quais usava paramentos feitos em Roma e próprios para o clima europeu, quando Sobral tem uma temperatura média variando de 24 °C, à noite, a 36 °C. Teria comprado um automóvel Rolls-Royce usado unicamente em dias solenes… Criou várias paróquias, ordenou vários padres, que adotavam o modelo centralizador e autoritário de seu bispo e que nem o Concílio Vaticano II (acontecido após a sua morte), foi capaz de modificar as atitudes e ainda hoje persiste na região um certo “coronelismo” clerical, mesmo nas gerações atuais que acabam cedendo à mosca azul que o prestígio interiorano ainda lhes dá.
Sua influência na sociedade foi além de seu poder episcopal. Nas visitas pastorais, realizadas com muita pompa em suas paróquias, formavam-se filas gigantescas de fiéis para o “beija-mão” e à sua saída – sob pálio – e retorno das casas paroquiais, onde hospedava-se, os sinos repicavam em deferência à sua dignidade episcopal, até recolher-se novamente.
A submissão do povo cearense da zona norte tem raízes históricas na dominação portuguesa e na catequese jesuítica dos século XVII ao XVIII, pois muitas cidades da região norte do Ceará tem origens nos aldeamentos missionários e nas posteriores “Vilas de índios”, como é o caso específico de Viçosa (aldeamento da Ibiapaba) que era, então parte integrante da Diocese de Sobral.
Durante seu episcopado, influenciou muito na política local e regional e era um dos líderes políticos regionais, utilizando-se de forma extensiva a Rádio Tupinambá de Sobral – também fundada por ele – e de grande audiência por toda a região e era um dos seus instrumentos ideológicos, políticos e religiosos (cujo Integralismo – os camisas verdes – de Plínio Salgado, estava em voga na Igreja) e que contribuiu muitíssimo na hegemonia desse bispo. Seu braço direito para as ações políticas eram Chico Monte (na década de 30) o padre José Palhano de Sabóia (na década de 50), o qual tinha como filho adotivo e que foi eleito prefeito de Sobral (1959-1963) depois de sua morte. Os resquícios da participação da igreja de Sobral nos negócios públicos ainda hoje são sentidos na região norte do Estado do Ceará, quando muitos padres fazem papéis de “cabos eleitorais” de candidatos locais.
Ao longo dos 50 anos de administração eclesiástica, 5 de pároco e 43 anos de seu bispo, criou em favor de Sobral – em detrimento das outras cidades da vasta diocese e suas paróquias, e com recursos daquelas – inúmeras instituições dentre as quais podemos destacar os Colégios Sobralense e Sant’Ana – para moças e rapazes da elite -, o Patronato Imaculada Conceição e a Escola profissional São José , o Museu Diocesano, onde ajuntou peças de arte-sacra de suas paróquias, inclusive confiscando relíquias históricas de várias antigas paróquias, o Abrigo e Orfanato Coração de Jesus, o Cine-Teatro Glória e o Jardim Zoológico, a Casa de Saúde São José e a Santa Casa de Misericórdia – que ainda nos dias atuais é centro de referência em toda a região, o Seminário Teológico-filosófico, para a formação de seminaristas, que foi o embrião da Universidade Estadual Vale do Acaraú, UVA e inclusive o Banco de Crédito Popular, que se transformaria posteriormente no BANCESA S/A (que faliu em fevereiro de 2003http://www.massafalidabancesa.com.br/edital.htm), mas que por muito tempo fomentou a economia local.
Dom José foi de forma direta e indireta um dos mentores do desenvolvimento de Sobral e de toda a região Norte do Estado do Ceará, mas também o responsável pelo modelo de Igreja autocrática, ainda persistente naquela região.
Era um estudioso da genealogia e foi sócio correspondente da Academia Cearense de Letras, do Instituto do Ceará e do Instituto Brasileiro de Genealogia. Sua morte, aos 77 anos, deixou um vácuo na igreja de Sobral, pois seu modelo único não podia – nem devia – ser copiado por seus sucessores que optaram por modelos de episcopado mais pastorais – já guiados pelas diretrizes da CNBB – e menos aristocráticos numa Igreja Católica que tentava se atualizar sob as luzes do Concílio Vaticano II.
1. Títulos Palatinos (palacianos): são os títulos outorgados às pessoas que assistem ao soberano nos afazeres do governo ou prestam serviços à sua Casa ou pessoa. O mais conhecido é o Conde Palatino que é muitíssimo considerado pela nobreza pois ele subentende a proximidade de seu dignitário com o soberano e implica, sempre, em altas funções exercidas na Corte. A Santa Sé outorga títulos palatinos acrescentando a expressão Romano como exemplo: Conde Romano ou Conde Romano da Santa Sé.
2. Não conseguimos identificar o ano da outorga desse título, segundo o site da escola brasileira de genealogia, ele é real, mas não identifica qual o papa e qual o ano isso aconteceu.
3. Presumimos, pela cronologia histórica que teria sido Pio XI, haja vista a grande quantidade de títulos de Conde concedidos por aquele pontífice, que restabeleceu a autonomia política da Santa Sé.
MAIS SOBRE DOM JOSÉ
Dom José Tupinambá da Frota controlou a Igreja Católica em Sobral,durante cerca de cinqüenta anos,primeiro como vigário geral da diocese depois como seu primeiro bispo, preservando os fieis das tentações da maçonaria,do espiritismo,do comunismo e das alegrias do sexo,disputando ainda a liderança política da cidade com o eterno rival,o juiz e industrial Jose Saboya de Albuquerque. O bispo que,em determinada época, chegou a se assinar Bispo Conde de Sobral, não deixou marca apenas de grande realizador de obras materiais na cidade ,mais importantes que todas as outras de responsabilidade de lideres políticos locais, foi também o antistite, apegado às honrarias e às insígnias do posto,às exigências da liturgia e às imposições da hieraquia.
Ele gostava de se trajar,com vestes de bispo,cheio de arminhos,levando, ao tórax, cruz pastoral de ouro e à mão báculo dourado, indicações de sua importância e da reverencia que sua posição exigia..
Ajoelha, cabra
Dom José exigia muito respeito às formalidades. Quando em visita à Secretaria do Interior e Justiça, ainda sob a ditadura, D. José foi cumprimentado com um aperto de mão pelo porteiro ou contínuo Fialho. Não gostou e, empurrando-o levemente, ordenou: “Ajoelha, cabra”. É que, naquele tempo, a gente se ajoelhava para beijar a mão do bispo. E D. José não dispensava tal tipo de homenagem.
A um bispo não se chama
Certa vez, depois de despachar no Banco de Crédito Popular com seu dirigente, saiu apressado. Seu presidente, José Modesto Ferreira Gomes, um dos esteios da religião, construtor da Igreja do Sumaré, lembrou-se de que ainda havia um assunto pendente, dependendo de sua decisão. Elevou então a voz para deter o antístite, que ia apressado. “A um bispo não se chama”, disse ele, repreendendo José Modesto Ferreira Gomes, que o chamara em vão, quando conseguiu alcançá-lo . É que o bispo continuou andando, como se não o estivesse ouvindo, mesmo depois de ele haver alteado a voz.
O padre Tibúrcio Gonçalves de Paula, que morou em sua companhia do “palácio do bispo” testemunhou cena que bem define sua preocupação com a hierarquia:
Certa feita, um sertanejo assim o abordou:
“Senhor bispo!”
“Suba mais”
“Vossa Reverendíssima”
“Suba mais”, ordenou dom José.
“Vossa Excelência Reverendíssima”
O antístite ficou, enfim, satisfeito:
“Assim é que se trata um bispo
Magister dixi
Dom José foi, desde cedo, admirado como aluno exemplar seja na Bahia seja no Vaticano onde se doutorou e como homem de cultura privilegiada , exaltada pelos colegas de episcopado. Por isso, gostava do “magister dixit” e não admitia contestação. O único sacerdote que dele discordava ,e isto na presença dos outros,e por isso merecia seu respeito não sua estima, era Expedito Lopes que foi assassinado,depois,como bispo de Garanhuns por sacerdote de sua diocese pouco ligado no voto de castidade que jurava e no celibato que não respeitava. Basta ver como ambos de comportam em discussão sobre determinado dispositivo do Direito Canônico.
O estadista
Dom José Tupinambá da Frota foi o maior homem publico de Sobral, capital da civilização do couro,instalada no Ceará,Nordeste brasileiro. Superior,em serviços prestados à cidade, que os políticos contemporâneos José Saboya e Chico Monte,pela grandeza dos beneficios que implantou e que até hoje servem à comunidade. Como a Santa Casa de Misericordia, posteriormente reformada e modernizada pelo padre José Linhares,para servir a mais de cinquenta municípios da regiao norte do Estado. O Seminário Diocesano que formou a elite da Princesa do Norte, principalmente a que fundou e deu os melhores professores à Universidade do Vale do Acaraú, e cujo prédio principal ainda hoje abriga sua Reitoria. Foi instalada pelo historiador padre Sadoc de Araujo e teve período de grande expansão quando sob o comando do professor Teodoro Soares, ex-seminarista ali. Como os Colégios Sobralense para rapazes e Santana para moças. O Patronato para ensinar às moças pobres. O Abrigo, fundado com o objetivo de acolher velhos pobres e desamparados. O jornal “Correio da Semana” ainda hoje em atividade e que foi fundado também para lhe dar sustentação às campanhas políticas. O Museu que guarda,inclusive,o testemunho do fastígio e da riqueza da região,no auge do prestigio da pecuária. Não mais existe o banco que fundou e que terminou seus dias sob o controle do exportador Manuel Machado da Ponte.
Para realizar tanta coisa, não foram suficientes os recursos da Diocese e até os de sua fortuna pessoal também empregadas. Precisou exercer muita influência política para arrecadar meios de que precisava para executar seu gigantesco programa de obras publicas. Isto o levou à intensa participação nas disputas da vida publica da cidade e a polêmicas ferozes. Dai os atritos com o jornalista Deolindo Barreto, diretor de A Lucta contra cuja leitura e mera assinatura instituiu pecado mortal. Rival seu foi outro aristocrata, José Saboya de com quem viveu às turras, apoiando seu ex-aliado e adversário Chico Monte. Até que, no fim da vida, deste se afastou para ajudar o pupilo querido,padre José Palhano de Sabóia a conquistar a prefeitura municipal.
O Bispo era ativo defensor da moral da época e de seus ditames a ponto de ficar, vigiando da janela do sobrado que habitava a que horas os foliões deixavam os bailes da carnaval do Tabajara Clube, se dele saiam à meia noite de terça feira ou se continuavam na gandaia até a manha da quarta feira de cinzas.
Por isto, os padres tinham de manter cerrada vigilância sobre os decotes nas mulheres que tinham ingresso no tempo, contra o Carnaval dos clubes e o “coco”dos subúrbios. Dançar o carnaval mesmo ao lado da mulher era pecado que os membros da Congregação Mariana,como Raimundo machado,posteriormente rei da cera de carnaúba no Estado e José Valeriano Dias expiavam com expulsão publica da entidade.