Herculano Costa Comenta
Juventude e Violência
A violência em meio à juventude é, hoje, reconhecida como um problema social grave no Brasil. Sabe-se que estudos têm sido desenvolvido e muitas propostas têm sido feitas por estudiosos do assunto, para sua prevenção, nos últimos anos. Apenas propostas que são profundamente enraizadas em um contexto cultural, organizacional e relacionadas às comunidades, costumam ter poder suficiente para causar um impacto coletivo mais significativo. Neste nosso comentário de hoje, abordamos a evidência científica da efetividade de intervenções para prevenir o transtorno de conduta e a delinquência. É dada ênfase à necessidade de um modelo de intervenção que combine aspectos psicossociais, educacionais e ressocializantes.
O aumento dos atos infracionais tem-se tornado uma pauta relevante nos debates sobre os fenômenos relativos à justiça infantojuvenil na atual conjuntura nacional. Diante disso, discute-se o papel do ECA (Lei nº 8.069/90) e do SINASE (Lei nº 12.594/12), no desenvolvimento de atividades socio profissionalizantes para avançar o sistema socioeducativo e atenuar a reincidência criminal desse grupo etário.
Para esta nossa intervenção, buscamos analisar as dificuldades enfrentadas para implementarem-se e expandir as iniciativas públicas e privadas durante o cumprimento das medidas socioeducativas. Nossa observação aqui relatada se fez após compulsarmos a literatura das narrativas produzidas sobre essa temática, especificamente no Brasil, nos últimos cinco anos. Os dados obtidos revelaram aspectos que dificultam a efetivação das políticas de ressocialização, dentro das unidades socioeducativas, incluindo superlotação das unidades, violações às visitas familiares e a persistência da ênfase punitiva nas medidas socioeducativas. Identificou-se também a escassez de parcerias com instituições profissionalizantes, cursos que não atendem ao nível técnico dos adolescentes e a falta de recursos públicos de incentivo ao trabalho. Portanto, concluímos que o sistema socioeducativo enfrenta impasses para efetivar os direitos e garantias fundamentais dos jovens em conflito com a lei, persistindo cerceamentos que comprometem a justiça infantojuvenil e a perspectiva de ressocialização.
A violência compreende o uso de um ato de força, impetuosidade ou veemente brutalidade. A agressão envolvida compreende, sempre, o uso de força desproporcional, mesmo sob aparente justificativa. Na esfera do Direito, compreende o ato de praticar um constrangimento contra outra pessoa, obrigando-a a submeter-se, a fim de atingir um objetivo. É um constrangimento inaceitável, reduzindo um ser humano a um objeto, algo totalmente insignificante. Atualmente, observamos um crescente aumento da prevalência, ou de relato, ou ainda, a exposição à mídia, de atos de violência. Tal “cultura da violência” vem acompanhada, ou é produto, de uma menor valorização de aspectos éticos e pró-sociais. A ética é, fundamentalmente, a expressão e garantia da condição humana do indivíduo. A adolescência, por definição e características específicas, já está inserida em um contexto de transformações sociais, cognitivas e comportamentais. “Adolescer”, hoje em dia, exige uma flexibilidade e resiliência significativas. Sendo assim, inserem-se nesse contexto aspectos de busca de liberdade, descoberta da identidade pessoal e perda ou busca de referenciais. A violência, nessa faixa etária (juvenil/adolescência), pode estar associada com a solidão decorrente desses conflitos, e da necessidade de “crescer”, “dar respostas” e “sobreviver” em um momento de contexto social de desalento, desamparo e autodestruição.
A violência na adolescência também pode ser produto da violência intrafamiliar. Crianças podem ser expostas desde a mais tenra idade, mesmo dentro do seio familiar, a descuidos e desproteções, onde deveriam ser cuidadas e protegidas. A violência, segundo o Ministério da Saúde, pode ocorrer de diferentes formas, como violência física, sexual, psicológica ou negligêncial. Estas são as formas mais frequentes, compreendendo a omissão, por parte da família, das necessidades básicas da criança ou adolescente. Tal alarme também deve ser feito dentro do contexto da violência escolar. A prática da violência, principalmente o bulling, por parte de alunos, tem sido crescente. Talvez as escolas ainda não estejam preparadas para lidar com alunos que, muitas vezes, vêm de ambientes diversos nos quais sofreram violências ou negligências.
Além disso, as faces da violência podem incluir a questão das crianças em situação de rua. Segundo estudiosos da questão, a chamada violência de resistência envolve a reação dos subjugados e oprimidos por seus direitos, reconhecimento e igualdade. O enfoque dos maus-tratos, novamente, é automático. Muitos adolescentes em situação de rua encontram-se lá, por fuga de situações traumáticas no ambiente domiciliar. No entanto, neste ambiente são novamente vitimizados, sofrendo todo tipo de discriminação e desvalorização, sendo o fiel retrato de uma sociedade desigual, desumana e causadora de maus-tratos. A insegurança em que vivem nesse ambiente hostil e nada acolhedor é o puro retrato do caos e da falta de cuidado com os menores, ainda reinante em nosso país. A violência pode não ser apenas relacionada com o fator ambiental, mas com questões psicológicas e intrínsecas do self (retrato) do jovem desassistido de hoje. Em casos de abuso ou trauma, a violência pode surgir em decorrência de um senso de raiva ou injustiça, em relação a figuras percebidas como maléficas. Da mesma forma, pode haver uma identificação com o agressor, onde a própria vítima inicia um ciclo de impulsividade, agressividade e alterações de comportamento, semelhantes ao encontrado em pacientes com transtorno da personalidade borderline.
Por fim, a violência pode surgir, desde a primeira infância, da projeção de cuidadores bastante paranóides, que “convencem” a criança de que ela é má e violenta. Sendo assim, não restaria muito a ela, senão identificar-se com essa projeção. Tal fenômeno é chamado de identificação projetiva, e é, muitas vezes, inconsciente. Sob o prisma psicanalítico, o conceito central, no que concerne à violência, é a questão do déficit. Pacientes com componentes de agressividade apresentam déficit na internalização de figuras boas, além de um déficit egóico, que se caracteriza por uma ausência da capacidade de reflexão do self e da capacidade de pensar, o que causa implicações diretas na regulação de emoções.
Por Herculano Costa – Jornalista, Neuropsicanalista Clínico, Professor, Escritor e Poeta.

