HILDA HILST NA RESIDÊNCIA LITERÁRIA

Conforme afirma a crítica literária, o erotismo e a pornografia na literatura não são um ponto pacífico. Talvez não seja preciso de um delineamento. O fato é que a literatura e o erotismo mantêm uma relação intima que pode ser confirmada em obras de diferentes épocas.
Podemos citar vários clássicos como a epopeia de Gilgamesh, do século 7 a.C., uma das primeiras obras da literatura mundial, já apresentava descrições sexuais. E aqui citarei, também, o poema, O cancioneiro de Lésbia, de Catulo, um poeta lírico da Roma antiga. Na Idade Média, mesmo com a pressão católica, os padres goliardos já falavam de sexo nos seus textos. E as cantigas de amor e de amigo, dos trovadores.
No Brasil, Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado e outros. Mas aqui estou me propondo a falar especificamente do erotismo em Hilda Hilst. Uma poetisa, cronista, dramaturga e ficcionista da geração de 45, que é dona, sem dúvida de uma das escritas mais estranhas que circulam na literatura brasileira atualmente, um desvairo temático e estilístico que só encontra parâmetro em trabalhos como o de Gabriela Liansol, que se destaca avesso à representação dominante no romance e a todas as formas de ortodoxia.
E é por essa via que Hilda Hilst se lança para construir sua literatura, uma nova arte erótica, seus textos são cometidos, cronometrados, bem pensados, impossível a crítica nacional não considerar positiva a intensa vontade de libertação dos textos hilstiano, passando por cima de todas as
E talvez nem precise dizer que Hilda Hilst participou daquele grupo de escritores cuja reputação antecede a obra, capaz de atingir os níveis de excelência em todos os gêneros a que se atreveu, com a poesia, a prosa e a dramaturgia. Isso prova que Hilda Hilst desde seu primeiro livro “Presságio” tem residência literária no Brasil e no mundo.
Neste breve artigo, gostaria apenas de citar uma ou duas coisas a respeito da obra erótica de Hilda, em especial “Carta de um Sedutor”, bem lida a trilogia, o sexo surge como algo natural, explicito, sem tabu, como parte essencial do ser humano. Quando ela diz: “Tu sabes das minhas artimanhas para conseguir aquele régio prazer. Sabes também o quanto nos amávamos, tu e eu, quanto te fiz feliz, gritavas, choravas até, quando meu pau aquilo”.
Veja que nas frases eróticas existe um procedimento ostensivamente erudito apelando os sentidos. Em outras frases, por exemplo, pode-se referir à enumeração, de gosto barroquista, que organiza o fluxo das narrações. Aí tens: medusas, hienas, das encapadas, das pombeiras.
Em qualquer registro efetivo, porém, a sua narrativa é composta mais de leitura, de vozes, que de ação. Assim, muitos de seus personagens são escritores, como Kal, que escreve para seduzir a irmã e publica segundo a receita calhorda do editor, ou como Stamatiers, que se recusa a publicar e serve apenas para tornar-se amante, são autores personagens, que Hilda compõe como o único verdadeiro imperativo ético, ou, como estorvo nas multiplicações banais da existência pessoal ou pública. Pode-se dizer então que, em sua literatura, a metáfora fundamental é aplicada na moral e na pornografia.
Dito isto, na bela narrativa hilstiana, o prazer é constante e, só se pode vislumbrar o que deseja. Mas, se o amor houve, será sempre uma experiência fugaz. Por isso, também, o sujeito lírico de Hilda, está ligado ao sagrado. Assim sendo, a imagem do ser amado está, algumas vezes, colada à imagem do Senhor. Como ela mesma dizia posso blasfemar muito, mas o meu negócio é o sagrado.
Veja nestes versos: “Cantando e dançando, digo: Meu Deus, por tamanho esquecimento/ Desta que sou, fiapo, da terra um cisco/ Beijo-te pés e artelhos”. Assim, o sagrado sedutor toma um sentido metafórico quando se trata de Deus.
Enfim, no que diz respeito à tradição brasileira de poetas místicos como Murilo Mendes, Jorge de Lima e outros. Hilda Hilst ocupa um lugar cômodo especial na residência literária brasileira.
Jornalista, historiador e crítico Literário.



