O Carnaval é parte de nós

por Fátima Moura
Nós humano somos assim mesmo, bem complexos: uma parte sagrada outra profana, uma porção sóbria e outra inebriada. Uma parte de nós “almoça e janta, outra parte se espanta”, como diz Ferreira Gullar. E nesta dualidade, reservamos uma parcela de nossa existência para os momentos lúdicos, ação que se opõe ao labor, ao trabalho à aspereza da obrigação, aos afazeres que garantem a nosso sustento. E na parte recreativa, nós brasileiros incluímos, com grande consideração, o Carnaval.
Foliões destacam que precisamos nos divertir para compensar os desgastes emocionais, desviar as preocupações cotidianas e até desvirtuar os caminhos e do stress e da depressão. Neste contexto, o Carnaval – introduzido no Brasil pelos colonizadores portugueses – conquista elevado grau de assimilação pela cultura brasileira. Aqui, país de dimensão continental, a festa incorpora ares específicos em cada região. A ideia difundida pelo setor turístico é que aqui o Carnaval é feito somente por sambistas e que se resume no espaço chamado sambódromo, no Rio de janeiro, modelo replicado em São Paulo. Ledo engano: a manifestação carnavalesca é bem versátil e variada, riquíssima em detalhes, com estilos correspondentes a cada ponto do País.
Ao contrário do que cogita o bloco dos puritanos, o Carnaval não denota atos pecaminosas. Na verdade, ele representa a alegria, a descontração, a versatilidade, a criatividade, a personalidade e a própria alma do brasileiro. Inicialmente era apenas uma brincadeira chamada entrudo muito popular em Portugal. Depois o evento configura-se em baile de máscaras. Em seguida, expandiu-se em todas as camadas sociais, adquirindo este formato democrático, com características regionais. A partir do século XX, a popularização da festa contribuiu para o surgimento do samba, estilo musical enraizado na cultura africana, e veio configurar-se no ritmo que melhor se encaixa para o desfile carnavalesco do Rio de Janeiro.
Apesar da proveniência européia, a festa incorpora incrementos artísticos africanos e elementos culturais genuinamente brasileiros; ignora fronteiras sociais, étnicas, de crença ou gênero. As marchinhas carnavalescas surgiram no século XIX, com destacada contribuição da cantora Chiqunha Gonzaga. O samba somente surgiu por volta da década de 1910, tendo como pioneiro o compositor Donga.
Na Bahia, os primeiros afoxés (ritmo musical com raízes africanas) surgiram na virada do século XIX para o XX. Na mesma época, o frevo passou a ser praticado no Recife e o maracatu ganhou as ruas de Olinda e depois em Fortaleza. Os desfiles das escolas de samba se projetaram em 1930. Em 1950, na cidade de Salvador, graças a criatividade dos carnavalescos Dodô e Osmar, o trio elétrico foi colocados nas ruas incrementado pelo batuque dos afoxés. Em 1984, foi criada no Rio de Janeiro a Passarela do Samba, ou Sambódromo, edificação idealizada por Oscar Niemeyer, que passou a ser um dos principais símbolos do Carnaval brasileiro.
Hoje, todo e qualquer estilo musical pode figurar nos eventos carnavalescos, sem a supressão dos formatos já consagrados ao longo do tempo. Seja na rua, na praia, ou no clube, a festa pode ser embalada ao som do samba, marchinha, frevo, funk, sertanejo ou forró. O Carnaval está cada vez mais maleável, versátil e democrático. Os trios elétricos, os blocos de ruas, os afoxés, as escolas de samba e os maracatus continuam desfilando e fazendo valer nosso gosto pela pluralidade, a diversificação para vivenciar a unificação.



