O coração do homem e sua necessidade de Deus

O ser humano é um ser religioso, está inscrito no instinto do homem. Na história, atestamos sua busca incessante por algo transcendente, das mais variadas formas de expressão religiosa, o homem, mediante seus comportamentos, na busca pelo sentido da vida e na descrença do plano limitado do mundo, prova a necessidade de algo fora do eixo material em sua vida; é o que nos atenta a Gaudium et spes:
“Por natureza porque tendo sede do infinito, nunca se satisfaz inteiramente com as criaturas que se lhe apresentam pelos sentidos, por serem estas relativas e finitas. O homem tem sede natural de algo absoluto e transcendente que o tome por inteiro, em todas as suas potências, e na própria essência mesma de sua alma de modo eterno e infinito.”
Desta forma, afirmamos que em sua aspiração e almejo pelo infinito, o homem só se realiza consigo mesmo quando se encontra com Deus. A procura pelas riquezas, pelos prazeres sexuais e/ou pela insistência de uma vivência ateia, ouso dizer que se torna deficiente e insuficiente a sua plena realização como homem. No entanto, este mesmo homem, por vezes, ignora esta realidade tentando camuflar esta união vital com o divino, buscando outras vivências que mesmo sendo contraditórias não plenificam seu ser – por exemplo, o ateísmo. A prática do ateísmo desconfigura o ser humano. A repressão de algo que está intrinsecamente ligado ao devir do homem o faz ignorante e vaidoso.
Esta didática é muitas vezes apresentada em ambientes universitários, onde o liberalismo moral vira lei e os resquícios do senso religioso que os jovens trazem de casa tornam-se heresia. O jovem estudante que traz alguma noção religiosa de casa se depara com conflitos internos nesses ambientes. Professores e estudantes universitários aderem, muitas vezes, uma resolução mágica para esse problema: a relativização do certo e do errado e decretação da autonomia do homem. Sendo assim, abre espaço para o relativismo e a ideia de que todas os pensamentos são válidos e verdadeiros. Discordar desta proposta atestando existir uma só verdade é o mesmo que dizer que o jovem é um ditador de si mesmo. É a ditadura do relativismo, como afirma Bento XVI:
“Enquanto o relativismo, isto é, deixar-se levar ‘aqui e além por qualquer vento de doutrina’, aparece como a única atitude à altura dos tempos hodiernos. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida apenas o próprio eu e as suas vontades.” No fundo, é uma integral idolatria de si mesmo.
O filósofo ateu Friedrich Nietzsche, que morreu com 55 anos em 25 de agosto de 1900, no livro “Assim falava Zaratrusa” diz:
“Meus irmãos, eu irei abrir-vos claramente a minha consciência: se existissem deuses, como suportaria eu não ser um deus? Logo, os deuses não existem.”
Nada de científico e sendo uma inevitável falácia, não há sustentação, e infelizmente convence aqueles que vivem o drama da sua própria consciência. Ora, sentindo o peso e a dinâmica da conduta da consciência, o jovem diz ser difícil ir a um confessionário e emendar-se; bastaria, para seu alívio, numa canetada só, atestar a não existência de Deus e convencer-se de que a moral que outrora aprendeu, e que conduziu a humanidade através de milênios, agora é retrógrada e ultrapassada. Ao invés de dar a liberdade, o homem que vive assim torna-se aprisionado por sua triste autossuficiência, escravo das tristezas e paciente do vazio.
Os católicos do mundo todo vivem o contrário neste período de Quaresma. Enquanto a rejeição por Aquele que nos dá o sentido da vida é ensinada, nós católicos nos esforçamos para reaproximarmos ainda mais de Deus nosso criador, por meio do jejum e da oração, da confissão sacramental e da mudança de vida. Isto não nos faz ditadores de si mesmo, mas livres porque nos foi dada a opção de escolha. Isto também não nos faz melhores, mas condicionados e agraciados por Aquele que sustenta nossa mortal e perecível vida aqui na terra. Quaresma é um tempo de revermos nossos conceitos e propostas, condutas e ideais. Jamais se ouviu dizer que alguém se tornou aprisionado pela generosidade, mas pela avareza sim. Jamais se ouviu dizer que alguém foi escravo de si mesmo vivendo a castidade, mas deveras tornou-se escravo aquele que entregou sua vida à luxúria e aos prazeres desregrados do sexo. Também não se ouviu dizer que a sobriedade faz do homem um alienado, mas aquele que entrega sua vida ao álcool e à droga, sim. Paremos, pois, para pensar e reavaliar se nós também não vivemos um ateísmo prático, que mesmo sendo cristãos, sujeitamo-nos a ter condutas e procedimentos alheios à nossa fé.
Por esta razão, verificar a conduta do íntimo e o proceder do ser, na busca pela verdade e pelo sentido da vida, é uma obrigação de todo ser humano enquanto ser dotado de razão. Neste tempo quaresmal, nós cristãos somos chamados a vivenciar isto de maneira prática na oração, nas obras de caridade e na esmola. Volvemos, pois, nosso coração para Deus a fim de buscarmos a transformação do nosso interior acatando um presente que Deus dá a todo aquele que Nele crê: a sua graça.



