LEITURA

O grande dramaturgo alemão Bertholt Brecht disse: “Primeiro a forragem, depois a moral.” Vale perguntar? Por que a moral? Porque após de se cuidar do corpo, o homem deve tratar de atender ao espírito e buscar a moral no livro.
Nesse campo,falamos dos fatos ocorridos sobre o livro no mundo, mas quem está com o poder é o livro. E junto a ele, está o leitor, vencendo as grandes ameaças. Ou seja, vencendo as intolerâncias do passado. E no presente, as ironias de que a internet é uma nova Renascente. Talvez seja até certo ponto. Sim, porque estamos certo de uma comédia realista,com seus círculos apontando para a resistência do livro.
Como se sabe, contra o livro, trabalha o fanatismo religioso. No passado, a inquisição destruiu uma quantidade incalculável de manuscritos, ritualmente em nome do auto-de-fé. Segundo os relatos cronistas coevos, a biblioteca de Alexandria foi maltratada, por diversas oportunidades. O último ato da sua existência ocorreu no ano de 646, quando um incêndio a destruiu por completo.
No século das luzes, floresce a literatura dos libertinos; mas a Revolução Francesa não poupará as obras do mais perversos deles, o Marquês de Sade: o Charles de Villers incita os compatriotas a lançar à fogueira todos os exemplares de Justine, ou os infortúnios da Virtude, no movimento geral de degola dos inimigos da revolução.
Na Alemanha nazista reacendeu as fogueiras em 1933, queimando publicamente obras de autores judeus, num prenúncio de Auschwitz, pois, como escreveu o poeta Heinrich Heine, “onde se começa queimando livros, termina-se por queimar também homens”.
Na Europa, ocupada, só a Inglaterra resistiu à barbárie; a simbólica dessa resistência é a famosa foto dos frequentadores da Biblioteca de Holland Houser, em Londres. Após os bombardeios.Os três amantes do livro, aparecem elegantemente trajados entre os entulhos, folheando os livros que foram poupados do incêndio. Ou seja,resistem em suas silenciosas missões de preservarem a memória humana. Por fim, é uma das mais belas imagens que se conhece sobre o poder do livro.
Nos anos noventa, também, a Biblioteca Nacional de Sarajevo foi bombardeada pelos sérvios, na selvagem tentativa de exterminar, uma cultura democrática herdade de seus manuscritos, gravados em hebraico, grego, latim, cirílico e árabe. Aí, a destruição foi total, não restaram nenhum livro para testemunhar a sobrevivência do espírito humano, as páginas viraram cinzas e as estantes se evaporaram entre as paredes calcinadas.
Pois bem, além, dessas grandes catástrofes, ainda existem ameaças contra o livro, isto é, convive, também, com pequenas catástrofes: os insetos, as traças e os cupins são ameaças permanentes, com suas digestões invisíveis e silenciosas, ao mesmo tempo tem os fungos como inimigos naturais do livro.
Diante desses inimigos iminentes, há também desastres caseiros, causados por pessoas que não gostam do livro, em gestos de intolerâncias, ateiam fogo ou jogam no lixo, os livros, que encontram em seus caminhos.
Hoje, vem a ironia de que a internet é uma nova Renascença da leitura, que chega até o absurdo de propagar o fim do livro. Ora, isso tem sido um argumento de muitas contradições, já que ter convicções sobre o precário e provisório é uma utopia, que tão bem Thomas Morus tentou explicar na Utopia, que o levou à guilhotina.
Na prática, do que entendemos por livro. O livro é o segundo corpo da alma humana, que se materializa em um objeto palpável. Segundo um dos maiores amantes do livro, o escritor Jorge Luiz Borges dizia, “Dos diversos instrumentos utilizados pelo homem, o mais espetacular é, sem dúvida, o livro.”
Como,então, se pode acender duas lâmpadas ao mesmo tempo? Usa-se o nome de livro na internet, mas o que se lê como norma é o que o próprio livro relegou a um segundo plano.Daí o valor do poder do livro, porque toda mudança e todo exílio, também se inclui o livro, que desmascara os amantes da era eletrônica.
Portanto, nessa nova fase da civilização eletrônica, em vez de se falar do fim do livro, é preferível acertar o seu exílio, na internet como um prolongamento cultural. Assim, não só vivemos um período democrático, como a própria humanidade como um todo e, não apenas um grupo de intelectuais tem a consciência da importância do livro para seu desenvolvimento material e humano.
Sabemos, no entanto, que o livro tem um poder, e está em entre nós, como futuro da história da humanidade. Essa resistência é estimulada pela sua preservação: os manuscritos e incunábulos mais preciosos da cultura ocidental, encontra-se na Biblioteca Apostólica do Vaticano e na Biblioteca do Mosteiro de Santa Catarina no Monte Sinal.
Portanto é muita devoção ao livro, simplesmente porque seja na Mesopotâmia ou na Grécia, em Portugal ou no Chile, na Argentina ou no Brasil, em qualquer lugar, existiram e existem, lado a lado, leitores e não leitores. Mas, se um ser do passado, visitasse as cidades brasileiras de hoje, uma das coisas que surpreenderia esse antigo leitor seria por certo, a Biblioteca Nacional. Além,das pequenas bibliotecas ambulantes espalhadas pelo país.
Ao contrário de um fanático do livro eletrônico que, paradoxalmente, anda cunhando em sua utopia o sentido de que o livro está na internet.O livro de papel aparecenas feiras e das bienais espelhadas pelo mundo e no Brasil, como a XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará, com o tema: “As cidades e os Livros”, que também, homenageia três livros: Sonâmbula, de Mia Couto; Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar; A Casa, de Natércia Campos. E associado a essa política cultural cearense, tem-se a presença do escritor sobralense Davi Vasconcelos e participação do poeta acarauense Dimas Carvalho. Assim, podemos aludir ao Poema Sujo de Ferreira Gullar, que o livro está na cidade como uma coisa está em outra e a cidade está no livro.
Enfim,o livrojá se fez entre nós, através dos tempos. Basta lembrar o que dizia em sua época, o grande escritor Goethe: “AsCanções de Homero, um clássico pouco lido em nossos dias, tem o poder de nos aliviar, ainda que por breves momentos, do fardo aterrador com que a tradição nos vigou por milhares de anos”. E digo,que o primeiro ouvir Ulisses chamar a si mesmo de “Ninguém” é o anseio de todo leitor, concedido repetidamente, gerações a gerações, aos que abrem a Odisseia pela primeira vez. Esse modesto direito à primeira leitura, já garante o poder do livro, que vai se tornando grande quanto a própria humanidade.

Jornalista, Historiador e Crítico Literário.

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