Papa Francisco realiza visita histórica de quatro dias ao Iraque e deixa mensagem de coexistência religiosa

Papa Francisco tem encontro histórico com aiatolá e visita local de nascimento de Abraão, pai do judaísmo, cristianismo e islamismo
Por Samuel Carvalho – Redação Correio da Semana
O Papa Francisco realizou do dia 05 a 08 de março uma viagem de visita ao Iraque em ocasião histórica: Foi a primeira vez que um chefe de Estado do Vaticano realizou visita ao país. Durante a estadia, o Santo Padre percorreu o Iraque tendo passado por Bagdá, Mossul, Qaragosh, Ur e Ebil pregando uma mensagem de paz e o fim dos conflitos religiosos.
Apesar de ser uma viagem arriscada devido à crise de segurança e a pandemia de covid-19, o Pontífice a descreveu como “uma obrigação para com uma terra há anos martirizada”, sendo de grande relevância política e espiritual. Francisco considerava a viagem como inadiável devido ao histórico de repressão, guerras, terrorismo e conflitos de grupos étnicos e religiosos diversos, reafirmados pelo fundamentalismo. “Tudo isto trouxe morte, destruição, ruínas ainda visíveis, e não só em nível material: os danos são ainda mais profundos se pensarmos nas feridas do coração de muitas pessoas e comunidades, que levarão anos para serem curadas.” Disse o Papa durante o primeiro encontro com o presidente do Iraque, Barham Ahmed Salih Qassim.
A visita foi descrita por altas fontes vaticanas como “a mais importante deste pontificado” devido ao grande impacto religioso e político. Essa foi 33ª visita do Papa Francisco, que desde o início do seu papado teve como prioridade ir às periferias do mundo e estar perto das comunidades cristãs mais necessitadas, por exemplo regiões com conflitos bélicos como o Iraque. Marcado pela grande defasagem de cristãos do país em razão da perseguição de grupos terroristas como o estado islâmico e a invasão dos EUA ao país em 2003, cujo Francisco sempre se opôs, Israel atualmente abriga um número reduzido de cristãos.
Forte esquema de segurança marcou o primeiro dia
No dia 05, Papa Francisco desembarcou no aeroporto de Bagdá sob forte esquema de segurança sendo recebido pelo primeiro-ministro Mustafa Abdellatif Mshatat e por uma delegação do Governo. Logo após, se deslocou até o palácio presidencial a bordo de um carro blindado e lá foi recebido por Barham Ahmed Salih Qassim, presidente do Iraque. Submetido a rigorosas regras de segurança, o Papa se deparou com um país recolhido pela pandemia. A população iraquiana teve que acompanhar os passos do líder pelas janelas e televisões, com exceção da missa que encerrou a viagem com cerca de 10.000 pessoas.
Ele também ele prestou homenagem às pessoas mortas em ataques motivados pela religião, visitando uma igreja de Bagdá onde homens armados islâmicos mataram cerca de 50 fiéis em 2010. Durante a ocasião, o Papa aproveitou a oportunidade para pedir que os iraquianos dessem uma oportunidade aos pacificadores durante uma reunião de oficiais e diplomatas iraquianos no palácio presidencial.
Encontro histórico
O ponto alto da visita ocorreu no sábado (06), onde o Santo Padre se reuniu com o principal líder xiita do Iraque, o grande aiatolá Ali al-Sistani. Foi a primeira vez que um papa se encontra com um líder xiita sênior, na ocasião, nem mesmo chefes de Estado do Iraque tem permissão para reuniões com o grande aiatolá, já que este se encontra em reclusão. O programa oficial o descreve como um “encontro de cortesia”, mas o significado da reunião ultrapassa o nome formalizado, já que foi altamente apreciado tanto pelos católicos israelenses quanto pelos islâmicos xiitas que suspenderam qualquer ato bélico durante a visita.
Sistani é uma das personalidades mais importantes do islamismo xiita dentro do Iraque e fora dele, exercendo uma forte influencia política para o país. O grande aiatolá, de 90 anos, não aparece em público e nem recebe visitas. Desde a queda de Saddam Hussein, ele foi alçado como uma figura política de referência. Sistani aceitou o encontro com o Papa sobre a condição de que nenhuma autoridade iraquiana estivesse presente.
No mesmo dia Francisco ainda realizou visita às ruínas da antiga Ur, também no sul do Iraque, venerada como o local de nascimento de Abraão, que é visto como o pai de três grandes religiões: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. “Deste lugar, onde a fé nasceu da terra do nosso pai Abraão, nos permite afirmar que Deus é misericordioso e que a maior blasfêmia é profanar seu nome com ódio aos nossos irmãos e irmãs”, ele declarou em Ur.
Mensagem de paz contra Estado Islâmico
No Domingo, Papa Francisco visitou Mossul: cidade destruída pelo estado islâmico em 2017 em combate com uma coalizão de forças do Iraque e internacionais. Ele chegou de helicóptero e visitou as ruínas de casas e igrejas onde ficava o centro da cidade, antes da ocupação islâmica. Durante a rota, uma equipe de segurança grande acompanhava a comitiva com picapes militares montadas com metralhadoras e seguranças à paisana em Mossul.
Durante o trajeto o Papa escutou da população de Mossul, católicos e de outras religiões, relatos sobre como era a vida sob o julgo do Estado Islâmico. Em referência os grupo terrorista, ele afirmou que “a esperança não pode ser silenciada pelo sangue derramado por aqueles que pervertem o nome de Deus para buscar caminhos de destruição”. E continuou “Hoje, porém, reafirmamos nossa convicção de que a fraternidade é mais durável do que o fratricídio, que a esperança é mais poderosa do que o ódio, que a paz é mais poderosa do que a guerra”.
Durante as orações, ele reforçou os temas centrais da visita reafirmando que é errado matar, guerrear ou odiar em nome de Deus. Após o momento em Mossul, Francisco voou até Qaragosh, um enclave cristão invadido pelo estado islâmico onde as famílias aos poucos reconstruíram suas casas em ruínas. Apesar da recepção calorosa de muitas pessoas que esperavam ver o Papa, poucas utilizavam máscara.
A comunidade cristã do Iraque é uma das mais antigas do mundo, mas particularmente deteriorada em razão dos conflitos. Atualmente o país abriga cerca de 300 mil cristãos em contraponto aos 1,5 milhões que havia no país antes da invasão dos EUA ao país e da brutal repressão do Estado Islâmico em seguida. Segundo Padre Raid Adel Kallo, pastor da igreja da Anunciação, “a maioria [dos cristãos] emigrou e tem medo de voltar”.
Missa final
No último compromisso da visita, foi celebrada uma missa no estádio de Erbil. A ocasião teve a presença de 10.000 pessoas, com máscaras e distanciamento para evitar o contágio por coronavírus. A missa foi realizada em italiano, mas também contou orações em árabe e siríaco, idioma falado pelos cristãos islâmicos e 80 músicos participaram da orquestra.
A celebração ainda contou com a oração do angelus, feita em união aos diferentes povos cristãos presentes. Em seu discurso o Papa afirmou que “O Iraque vai continuar para sempre comigo em meu coração”. Ao todo, foi percorrido 1.445 quilômetros no território iraquiano, em sua maioria de avião ou de helicóptero, sobrevoando zona onde ainda se encontram células clandestinas de grupos extremistas.
A despeito da forte equipe de segurança que seguiu a comitiva papal durante toda a visita, toda a visagem transcorreu sem nenhum incidente e conseguiu atingir seu objetivo de promover um impacto positivo para a religiosidade e para a política de Israel. Na segunda feira (8), o Papa retornou ao Vaticano deixando uma mensagem de paz e de união ecumênica contra o extremismo religioso.



