por Ary Albuquerque
Primo
Primo hoje em dia é diferente. Trata-se como um estranho. No meu tempo de criança, considerava-se primo como quase irmão, tal o grau de amizade e proximidade que existiam entre as famílias. Muitas vezes passavam-se longas temporadas nas casas dos tios. O convívio com os primos era como se fizéssemos parte integrante da família. Trocava-se o uso das roupas, sapatos, livros escolares e frequentavam-se os mesmos lugares. Os tios substituíam os pais. Tanto elogiavam como ralhavam com à gente. Tem mais: os parentes distantes que estimávamos e considerávamos, tratávamos como primos. Bons tempos!
Não se trata de saudosismo. É pura realidade!
Passei minha infância nas cidades de Iguatú, Jucás e Cariús.
Demorei mais tempo em Iguatú, onde existia forte reduto da família Lima Verde.
Minha avó materna descendia dos Lima Verde.
Por conta desse fator todos os primos da vovó eram considerados nossos primos. Conservo até hoje amizades daquela época. Os anos não apagaram o bem querer e o tratamento. Continuamos a nos tratar por “primo”!
Lembro como se fosse agora, menino de nove anos.
Morávamos perto, na praça principal, a quatro casas um do outro.
Minha prima Ayla Lima Verde era uma menina esperta, inteligente, desinibida e bonita.
Sua genitora, após o almoço, reunia a família na sala de visitas e promovia um sarau de artes.
Cantavam, tocavam bandolim e declamavam.
Dona Ceci, exímia cantora, incutia nos filhos o gosto pelo que é belo e prazeroso na vida.
Confesso: tinha Ayla na conta de uma deusa. Pretendia namorá-la.
Tentei, não me quis. Preferiu meu irmão mais novo, tínham a mesma idade, oito anos.
O namoro consistia-se em recados que se mandavam por terceiros.
Não havia diálogo direto entre os envolvidos.
O portador de recados possuía trânsito livre entre as partes e precisava ser amigo de ambos.
Sui generis. Não?!
Hoje, Ayla está com noventa anos de idade, mas lúcida e, ainda, nos comunicamos toda semana através do WhatsApp.
Comentamos as coisas do cotidiano e do passado.
Continuamos a nos chamar de “primo”!
Entretanto, os anos passaram.
O tempo deu volta no próprio tempo.
A vida moderna trouxe progressos inimagináveis em termos de conforto e praticidade, mas, por outro lado, tirou do ser humano a capacidade de amar oniricamente o nosso semelhante.
É importante amar-se as almas das pessoas para satisfação e bem-estar do nosso interior.
O mundo hoje está completamente mudado.
Cada vez mais materializado.
A globalização transformou nosso planeta numa grande aldeia.
Onde vamos parar?
Pergunto-me e não encontro resposta.
Com a chegada da Inteligência Artificial, vai haver mudanças radicais.
É hora de se adequar as novas realidades porque, senão, passaremos a viver extemporâneos.
Mas, não há como negar: saudades do tempo em que nos considerávamos primos como irmãos…

