POUCAS E BOAS
Foi extremamente triste e revoltante o que ocorreu na sexta-feira (2), por ocasião de show comemorativo dos 40 anos do “Maior São João do Mundo”, em Campina Grande (PB). É mais um episódio lamentável em que ficam claro e evidente a falta de respeito à música nordestina e a falta de valorização dos seus artistas.
Refiro-me ao encurtamento da apresentação do sanfoneiro paraibano, Flávio José, a fim de aumentar o tempo de apresentação de Gusttavo Lima, cantor sertanejo mineiro.
Apesar de a organização do show vir tentando de toda maneira justificar o ocorrido, inclusive citando erro de cronograma, o estrago foi feito. Sem dúvida, o ocorrido veio botar mais lenha na fogueira dos que lutam para que pare de ser flagrantemente desvirtuado e desoriginalizado nosso São João. Enfim, é a mais tradicional festa popular nordestina, que oficialmente terá início na semana que entra.
Abrindo as festividades juninas, terça-feira (13) comemora-se Santo Antônio, depois São João (24) e São Pedro (29). Vale ressaltar que, antes de a Igreja Católica criar essas datas, alguns povos pagãos já faziam comemorações nesse período do ano. Na Antiguidade, egípcios, celtas, entre outros, realizavam rituais pedindo fartura nas colheitas.
Desde a implantação do São João no Brasil, o Nordeste desponta como a região em que ele atinge seu ápice. A alegria contagiante do forró, a diversidade das comidas típicas e das brincadeiras são um forte atrativo de turistas e de divisas. Campina Grande e Caruaru, na Paraíba, continuam disputando o título de cidade detentora do “Maior São João do Mundo”.
Mas nem tudo é festa como antigamente. Estão tentando banir o autêntico forró do São João. Querem, na marra, colocar no lugar dele o descartável pornoforró e a “música sertaneja”.
E onde fica o legado de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Dominguinhos, Marinês e outros que tão bem empunharam a bandeira do forró, do baião e do xaxado? Tentam, assim, também sufocar o sonho de inúmeros artistas que hoje defendem a música nordestina. Vale dizer que essa invasão veio privilegiar quem explora a baixaria, o duplo sentido, ou cantores sertanejos e duplas caipiras famosas. Sendo que esses últimos não têm nenhuma identidade com o Nordeste. E muito menos com nosso São João. Nada contra tais artistas. Contra, sim, o tipo de música que fazem. Se lapidados, de alguns até apareceriam boas qualidades. Agora que vá fazer seus shows, arrancar milhões e soltar seus gritos enjoados lá pelos rodeios do sudeste. No Nordeste, não! Por aqui sempre prevaleceu e deverá continuar prevalecendo o autêntico forró. Mas a quem culpar a intromissão do pornoforró e da música sertaneja no São João do Nordeste? Para mim, primeiramente a culpa é de muitos nordestinos que, por desconhecer sua cultura e seus talentos, tornam-se presas fáceis de culturas e de artistas de qualidade duvidosa. Em segundo lugar, governantes (prefeitos e governadores) têm grande parcela de culpa. Além de subestimarem ou até mesmo ignorarem a cultura e os valores da região, esses mandatários são facilmente manipulados por empresários que visam unicamente o dinheiro. Por último, debite também parcela dessa culpa à personalidade do artista que topa tudo por dinheiro, inclusive atuar numa ‘praia’ que não é a sua, como cantor sertanejo cantar em Festa de São João. Mas isso é até compreensível, pois não há delimitação legal de espaço para se trabalhar. E o que fazer, então, para diminuir ou barrar totalmente a invasão do pornoforró e da música sertaneja no São João nordestino? Creio que urgentemente deve ser mais difundida a cultura nordestina e, no caso aqui enfocado, o autêntico e tradicional São João, principalmente entre crianças, jovens e adolescentes. Exigir de prefeitos e governadores mais respeito e o incentivo às nossas tradições culturais. À população compete estimular e incentivar mais os artistas nordestinos, com a presença e o aplauso.
Em 2017, artistas como Chambinho do Acordeon, Joquinha Gonzaga, Alcymar Monteiro e outros encetara a campanha “DEVOLVAM MEU SÃO JOÃO”, que funcionou como forte puxão de orelha em governantes, empresários e em artistas que desenvolvem estilos musicais não nordestinos. Isso não basta. Com todo respeito aos músicos ‘paraquedistas’ e apesar do seu direito de trabalhar, nesse período o ideal seria a população, principalmente, valorizar mais os artistas da terra que vivem e divulgam a festa junina e a música tradicional. E, de uma madeira até mais radical, boicotar, (mas boicotar, mesmo!) os eventos, empresários e artistas cujas ações vão de encontro aos nossos valores e às nossas tradições. Enfim, o São João é nosso e deverá assim continuar! Defendê-lo é dever de todo bom nordestino. E que recebamos as bênçãos de Santo Antônio, São João e São Pedro!