Qual economia para o futuro?
O papa Francisco reuniu-se no dia 24 de setembro passado com jovens na cidade de Assisi, terra de São Francisco, para refletir com eles sobre a economia e as alternativas para os modelos econômicos adotados atualmente pela maioria dos países. Cerca de 1.500 jovens de mais de cem países, geralmente economistas, compareceram ao encontro, depois de uma preparação de três anos em suas comunidades de origem.
Talvez o evento não tenha despertado muita atenção dos especialistas em teorias econômicas e na gestão da economia dos países e organismos nacionais e internacionais. Não foi a esses que o papa se dirigiu, chamando apenas alguns poucos deles para ajudarem na reflexão. Francisco quis tratar a questão com os jovens, por dois motivos principais: por serem eles os maiores interessados no futuro da economia e nos desdobramentos da sua atual gestão; e porque eles ainda não estão demasiadamente comprometidos com os sistemas vigentes, sendo capazes de ousar e de sonhar com alternativas possíveis.
No seu discurso, o papa referiu-se a algumas situações que questionam os atuais rumos da economia: as persistentes crises sociais, a pobreza e a miséria endêmicas em muitos países e regiões do mundo; a crise sanitária desencadeada pela pandemia de covid-19, que pôs de joelhos a economia; as migrações e as crises humanitárias decorrentes de guerras, como acontece na Ucrânia e em várias regiões da África, da Ásia e da América Central. Francisco referiu-se, também, ao sério desafio ambiental e climático que o mundo enfrenta, em boa parte como consequência de modelos econômicos que avançam de maneira predatória sobre a natureza.
É preciso reconhecer, refletiu o papa, que com o modelo de economia e a ideia de desenvolvimento econômico atualmente em voga, o ambiente, nossa casa comum, está sendo descuidado. A enorme riqueza produzida não chega a beneficiar a grande família humana, não resolve o problema da miséria e da fome nem assegura a justiça e a paz. Francisco questionou os modelos de desenvolvimento econômico que levam à destruição do ambiente e produzem e consolidam desigualdades e injustiças sociais e internacionais. Os rumos da economia não estão bem e algo precisa ser feito, antes que seja tarde demais! Como passar de uma economia que mata a uma economia que gera vida e a ampara? De uma economia que gera tensões e sofrimentos a uma economia que esteja a serviço da paz?
O papa já havia tratado do conceito da “economia que mata” na exortação apostólica Evangelii Gaudium (EG, 2013), o primeiro grande documento magisterial do seu pontificado. A economia mata quando produz exclusão e desigualdade social; quando descarta alimentos para manter certa política de preços, em vez de os colocar à disposição dos pobres; ou quando a competitividade no mercado é buscada mediante a supressão de postos de trabalho, deixando na insegurança os trabalhadores. A economia mata quando considera o próprio ser humano um bem de consumo usável e descartável; ou quando tem no seu centro o lucro e o acúmulo de bens, mesmo ao preço dos valores da justiça e da dignidade humana.
A economia gera vida quando o ser humano é o centro e o objetivo final de toda atividade econômica, quando está a serviço do homem, e não o contrário; onde as leis da economia e da finança deixam de ser tiranos impessoais, aos quais todos precisam se submeter e obedecer, querendo ou não (cf EG 53-56).
A própria noção de crescimento econômico, sempre presente nos discursos e nas preocupações dos governantes e gestores da economia, foi questionada pelo papa em sua fala aos jovens. Qual crescimento econômico, com quais critérios e a quem interessa? É possível pensar num crescimento econômico indefinido e infinito? Existe outra forma de pensar o crescimento econômico, sem que ele aconteça à custa da depredação ambiental e da exclusão social? E quem será responsável pela reparação dos danos já causados pela atual orientação da economia mundial? Quem justificará, diante das futuras gerações, o mundo depauperado e insalubre que lhes será deixado em herança?
Esses questionamentos do pontífice aos jovens na terra de São Francisco podem parecer nada ortodoxos e pouco realistas. Não era intenção do papa confirmar alguma teoria econômica, nem propor receitas para resolver as questões abordadas. Ele conclamou os jovens à reflexão diante de uma realidade que lhes diz respeito, convidando-os a serem protagonistas na busca de alternativas de esperança para uma economia que está produzindo morte e comprometendo o seu futuro. E convidou-os a olharem para São Francisco, que viveu um estilo de vida simples, sóbrio e solidário, em harmonia com a natureza e em fraternidade com as demais pessoas, considerando todos como irmãos e irmãs.
Seria demais sonhar que a economia das nações tivesse na sua base esses critérios? As sementes foram lançadas no coração de jovens economistas. O futuro da economia e da nossa casa comum é deles. Que sonhem alto!
Cardeal Odilo Pedro Scherer – Arcebispo Metropolitano de São Paulo