A sabedoria proverbial popular traz referência muito adequada para reflexões sobre o momento atual quando diz que “de sábio e de louco todo mundo tem um pouco”. De fato, a humanidade parece estar diante da bifurcação de um caminho que pode levá-la à loucura ou à sabedoria. A civilização está, pois, em momento decisivo de sua história. Vive esgotamentos sacrificantes que acentuam processos de loucura e, ao mesmo tempo, constituem interpelação para uma virada civilizatória. Para a mudança esperada, há necessidade de uma conquista sapiencial capaz de reerguer sociedades em queda e ajudar o ser humano a se recompor. A realidade exigente e pesada, vivida desde o ano passado, faz sombras à esperança do ano novo recentemente iniciado. Indica que é preciso recuperar, promover e defender a vida, em todas as suas etapas e circunstâncias. Diante dos muitos problemas vividos em todo o planeta, precisamos de respostas que requerem o tempero da sabedoria.
Na bifurcação entre a loucura e a sabedoria, a humanidade carece de sábios para conduzi-la nos processos de mudança, a partir de narrativas que possam desencadear ciclos diferentes na história. Levar a humanidade a novos caminhos é tarefa especialmente difícil quando se considera que tantas pessoas não conseguem desempenhar minimamente o próprio papel e corresponder às suas responsabilidades. Certamente, entre os veios da loucura contemporânea está a ambição por assumir um ofício, um papel, ocupar uma cadeira confiada a autoridades, julgando-se capaz, mas sem reunir as mínimas condições exigidas para a posição social almejada.  Também é sinal de insanidade querer defender princípios inegociáveis, mas cair em contradições comprometedoras, provando não ter qualificação para cumprir o que se propõe a fazer. Essas loucuras acabam por afetar as instituições, enfraquecendo-as, desgastando-as. Atrasam processos de reconstrução na sociedade, geram desgastes e desperdício de energia.
Falas desconexas dos que integram ou representam instituições não raramente são apreciadas por muitos, vistas por milhares, sinalizando o atual estado de loucura. Essas falas contribuem para acirrar posturas que são fruto de polarizações, alimentam extremismos, prejudicando a abertura de novos ciclos civilizatórios. Há, pois, lições a se aprender, para que cada vez mais cidadãos conquistem sabedoria e a humanidade seja curada, preservada dos horrores da loucura. Esse aprendizado é urgente, pois a insanidade chegou a tal nível que negacionismos, interpretações equivocadas ou tendenciosas, levam a humanidade a um percurso sem saída. Na história, não é novidade a coexistência de desvarios em contraponto com incontestáveis possibilidades para constituir uma realidade melhor. Trata-se da situação enfrentada pela sociedade brasileira, com seus cenários graves que precisam ser vencidos a partir de reconfigurações culturais e sociopolíticas.
Há de se buscar os diagnósticos das muitas loucuras que ameaçam o tecido social para que seja escolhida a estrada da sabedoria. Esse investimento é indispensável, semelhante a uma vacina, em um processo de imunização para garantir rumos novos a este tempo, com o aproveitamento inteligente de oportunidades e conquistas já garantidas pela civilização contemporânea. Para isso, são necessários os sábios, e não os loucos.
Sinaliza sabedoria a capacidade de gerar a união, articulando diferenças, delas fazendo riquezas. A sociedade precisa de cidadãos habilidosos na gestão de perspectivas divergentes, humanisticamente preparados para promover, continuamente, diálogos construtivos.  Cidadãos comprovadamente preparados para amar seu semelhante, sustentados por uma referência espiritual que ilumine suas visões e fecundem a capacidade para poder ouvir cada pessoa, particularmente os clamores dos deserdados e injustiçados deste mundo.  Muitos campos existenciais, a exemplo da política do bem, da economia solidária – na contramão daquela que mata -, podem contribuir para cultivar a sabedoria no ser humano. De modo especial, a espiritualidade tem importante papel para gestar a condição de sábio, e não de louco.
A genuína espiritualidade cristã tem propriedades para garantir equilíbrios e saúde mental, sentido social alicerçado em solidariedades, reverência e respeito à história, compromisso de se promover a vida de todos. Oportuno é retomar o que a espiritualidade cristã indica como experiência sapiencial: adotar estilo de vida profético e contemplativo que é fonte de duradoura alegria – livre de sensações efêmeras motivadas pelo consumismo; suplicar ao Criador – fonte única e inesgotável da sabedoria – que derrame bênçãos, copiosamente, em cada coração, tornando-o sábio, jamais louco.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte – Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

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