As profecias são indispensáveis na qualificação do tecido antropológico-cultural que sustenta a vida de uma sociedade. Trata-se da necessária clarividência que deve ser a estrela-guia de todos os processos sociopolíticos e econômicos. Compreende-se que a ausência da profecia pode contribuir na perda de rumos, na
cristalização de posicionamentos e dinâmicas que possam levar a desmandos do poder, à corrupção e à indiferença em relação a desigualdades e ofensas contra a dignidade humana, gerando sofrimento, principalmente, para os mais pobres e indefesos. Sem a luz da profecia, impera a obscuridade das trevas, mesmo quando vozes são propagadas, pois lhes falta a coerência necessária para promover transformações.
Conforme escritos e relatos do Antigo Testamento, a história de Israel mostra a importância determinante da profecia para se reencontrar equilíbrio nas relações. É, pois, imprescindível a presença da profecia na configuração de instituições, livrando-as da submissão aos interesses das oligarquias – sempre alheias aos pobres e sofredores. O profeta é aquele que vê o que a maioria não consegue enxergar e a profecia, obviamente, não pode se reduzir a discurso, à linguagem de impropérios, muitas vezes em tom agressivo, sem a devida coerência. O enxergar de modo lúcido não dispensa o profeta do selo de qualidade, próprio dos que cultivam conduta transparente, que não compactuam com os privilégios e as situações injustas denunciadas.
Compreende-se, assim, porque historicamente sempre existiram confrontos entre profetas, sacerdotes e reis. Esses últimos, frequentemente cegados pela posição que ocupam na sociedade, enrijecidos e, por isso, incapazes de mudar, não conseguem conquistar um modo de ver diferente, no horizonte da justiça e da verdade. Quando se apaga a luz da profecia, reinam as obscuridades, multiplicam-se os mecanismos balizadores da injustiça e, irremediavelmente, impera a indiferença, destruidora da intocável sensibilidade humana para o exercício da solidariedade. A ausência de profecia revela-se ainda no descalabro de se falar uma coisa e se praticar outra, denunciar alguém, mas usufruir dos mesmos privilégios.
A profecia é indispensável na busca pelo equilíbrio que redefine práticas, substitui hábitos, qualifica juízos e cria a mentalidade nova, pautada no mais profundo sentido de solidariedade. Importante saber: a profecia não é exclusividade de alguns poucos. Trata-se de um bem a ser praticado por todos. Em uma passagem bíblica no Livro do Êxodo, Moisés é informado que algumas pessoas não reconhecidas como profetas se dedicavam a profetizar. Prontamente, a partir de sua lucidez, Moisés proclama: quem dera se todo o povo profetizasse. Certamente, a justiça e a solidariedade estariam asseguradas no coração da sociedade. Mas, ao invés disso, os profetas sofrem oposição, e até perseguição. A clarividência da profecia incomoda pela propriedade do questionamento frontal ao exercício do poder – quando em vez de compreendido como serviço, passa a ser fonte de decadências, em razão dos abusos, da falta de interesse por Deus, das impiedades e fraudes.
No momento em que a profecia perde vigor, a sociedade se desarticula e surgem cenários sombrios, a exemplo do que se assiste na contemporaneidade. Sem ela, a sociedade não se corrige nem consegue se reerguer. A civilização atual é desafiada a cultivar linguagem profética, expressão da clarividência, capacidade indispensável para não se repetir erros, ou comportamentos como o de falar de um modo, mas incoerentemente viver e agir de outro.
Não basta o leito de qualquer que seja a ideologia, deve-se buscar algo mais, com força para refinar escutas, especialmente os clamores dos pobres, e iluminar o olhar, revigorando a profecia, que faz falta à sociedade. Cada pessoa possa assumir a condição de aprendiz, ciente de que não basta a adoção de discursos “requentados”, enfraquecidos pelas incoerências de seu porta-voz. A genuína profecia é um novo caminho, lucidez capaz de oferecer respostas coerentes. É hora de buscá-la, para consertar uma sociedade sem profecias.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo de Belo Horizonte – Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

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