Superar as divisões, gerar fraternidade

Conforme foi apresentado no editorial da edição passada, a Campanha da Fraternidade (CF) deste ano traz como tema: “Fraternidade a Amizade Social”. Neste período quaresmal, somos chamados a trilhar o caminho da conversão exigida por Jesus: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Bem sabemos que o profundo arrependimento e a verdadeira conversão não ocorrem apenas em âmbito pessoal, mas também nos âmbitos comunitário, eclesial e social.
No Concílio Vaticano II, a Igreja nos ensinou que “a penitência do tempo quaresmal não deve ser apenas interna e individual, mas também externa e social” (Sacrossanctum Concilium, n. 110). A cada ano, a CF nos convida à conversão, a partir dos apelos das realidades sociais de nosso país. É, pois, uma oportunidade de renovar a sociedade a partir de dentro, iluminando-a com a força do Evangelho.
As realidades de divisão, preconceito, intolerância e inimizade geraram sérias rupturas fraternas na sociedade brasileira. Isso nos conclama a uma autêntica conversão cristã. Vendo essa realidade e inspirados pela Carta Encíclica do Papa Francisco, Fratelli Tutti (Todos irmãos), somos chamados a gerar fraternidade a partir da amizade social.
Nesta encíclica, o Santo Padre, explica que amizade social é: “amor que ultrapassa as barreiras da geografia e do espaço” (FT, n. 1); “uma fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas, independente da sua proximidade física” (FT, n. 1); é um amor “desejoso de abraçar a todos” (FT, n. 3); é a nossa “vocação para formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros” (FT, n. 96).
Essa é a proposta da CF deste ano, que vai de encontro a tantos sinais de divisões presentes em nosso país. Somos chamados a nos comprometer com o próximo, acolhendo e amando a todos como irmãos, com a inclusão dos pobres, dos abandonados, dos doentes e dos últimos da sociedade. É preciso colocar em prática a solidariedade humana.
O ideal cristão, tal como nos ensinou Jesus, é a inclusão, a cooperação e a comunhão, não a indiferença, o combate e a eliminação de quem é diferente de mim ou de quem pensa diferente. Nos últimos anos, a política gerou muitas divisões em nossa sociedade. As discussões políticas deixaram de ser sadias, lúcidas e sensatas e ganharam um tom de ódio, intolerância, apologia às armas e à violência, com o empenho de eliminar o outro e seus projetos.
Essas divisões chegaram, com muita força, também no campo religioso. Surgiram uma série de grupos fechados e fundamentalistas, principalmente nas mídias digitais. Em nome de Deus, semeiam uma espiritualidade infértil, o egoísmo eclesial e social, e a autoproteção de seus próprios interesses. São muitos os influenciadores digitais que, revestidos de um discurso religioso, afastam as pessoas da comunhão eclesial e do compromisso com aquele Reino de paz e de justiça anunciado por Jesus de Nazaré. A CF deste ano nos diz que é tempo de anunciarmos o Evangelho da Paz. Nem as diferenças, nem as divergências, nem a oposição devem nos impedir de cumprir o mandamento maior que Jesus nos deixou como seu testamento: “Eu vos dou um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34).