Um descendente do Cangaço

Lucas Monteiro Barbosa
seminaristalucas18@gmail.com
Com o passar dos anos, naturalmente, as fontes auriculares com as quais se faz pesquisas históricas vão se esvaindo. Na pesquisa historiográfica, além da leitura de documentos e livros sobre os fatos ou os personagens pesquisados, é imprescindível que se colete depoimentos de pessoas que viveram e testemunharam tais fatos e personagens. Na pesquisa sobre o cangaço lampiônico não é diferente. A cada ano, mais raras vão sendo as pessoas que conheceram Lampião. As coletas de fontes auriculares vão, com efeito, se restringindo aos descendentes do cangaço (filhos de cangaceiros, policiais e/ou coiteiros) e aos célebres pesquisadores que já têm um sólido trabalho e que chegaram a entrevistar as testemunhas oculares. Mas esta limitação não é um demérito aos novos pesquisadores. Há muita riqueza no testemunho dos filhos de cangaceiros, particularmente.
Em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte – MG, mora o ilustre cidadão João Batista Souto, filho do último casal de cangaceiros do bando de Lampião, Moreno e Durvinha. Estes ex-cangaceiros já faleceram há algum tempo, mas suas histórias estão marcadas na historiografia do cangaço, como tema de biografias – inclusive uma feita pelo próprio João Souto – e de um importante documentário intitulado de “Os últimos cangaceiros”, dirigido por Wolney Oliveira e lançado em 2015.
A história de Moreno e Durvinha não fica devendo, no que tange ao extraordinário, a nenhum outro casal que tenha vivido no cangaço e foi justamente essa extraordinária história que fomos atrás. Conhecendo e mantendo uma amizade virtual com o filho do casal desde o começo deste ano, fomos, no entanto, impedidos de nos encontrarmos pessoalmente devido à lancinante pandemia que vivíamos. Com a gradativa melhoria da situação, o próprio João Souto nos convidara a uma visita, o que nos deixara extremamente felizes e ansiosos.
Marcada a visita para o dia 19 de novembro, partimos de nossa casa de formação, em BH, rumo ao endereço que nos fora dado. Acompanhados do padre Samoel Pereira, que é descendente de Antônio Conselheiro, chegamos à casa de João Souto exatamente às 13h45. Estava uma tarde chuvosa, mas só percebemos o clima depois que a euforia havia passado. Fomos recepcionados pelo próprio dono da casa às portas da residência e não houve cerimônia para o abraço esperado há muito tempo. Também acolhidos pela esposa de João Souto, que também nos cedeu valiosas informações, sentimo-nos à vontade para conversar e gravar o depoimento do anfitrião.
A visita se estendeu por quase quatro horas e cada minuto fora de uma riqueza ímpar. Assim como conhecer a história de um dos casais mais icônicos do cangaço, estar ali, na presença de um amigo e uma pessoa tão especial, era algo incomensurável que jamais sairá de nossas mentes. Ao nos despedirmos, tivemos a certeza de que aquela seria a primeira de muitas outras visitas que faremos a João Souto e sua família. Tudo que nos fora dito e, sobretudo, a alegria daquele encontro reverberaram em nossas mentes por muito tempo. O intento de um pesquisador do cangaço – eu imagino – deve ser, antes de tudo, a contribuição para com os estudos do tema, a fim de que a posterioridade conheça a rica história do povo nordestino. É justamente este intento que nos motiva e impele nosso coração a desbravar incansavelmente as pesquisas historiográficas, tanto nas leituras quanto na coleta de depoimentos. No fundo, ou mesmo na completude, todo pesquisador do cangaço, sobretudo os mais ilustres, traz consigo o amor pela história e cultura do Nordeste brasileiro. Uma cultura singular que deve, com o valoroso trabalho historiográfico, artístico e etc. ecoar entre as gerações vindouras.



