POUCAS E BOAS
Vamos Gonzaguear?
Anualmente, a 13 de dezembro, é comemorado o aniversário natalício do sanfoneiro, cantor e compositor Luiz Gonzaga do Nascimento, o Rei do Baião. Por conta disso, na data também se comemora o Dia Nacional do Forró, conforme Lei Nº 11.176, de 06.09.2005. A comemoração foi criada a partir de sugestão de Paulo Rosa, empresário paulistano, sócio da casa noturna “Canto da Ema”, produtor e apresentador do Programa de rádio “Vira e Mexe”.
Paradocalmente à euforia da comemoração, vale ressaltar que mesmo entre os nordestinos há muitos fogem daquele bairrismo característico do verdadeiro nordestino, daquele compromisso rasgadamente assumido de ter orgulho das suas origens e das riquezas culturais da sua região. Mesmo consciente de que suas tristezas e alegrias se constituem praticamente a matéria prima desse ritmo tão prestigiado no país e até fora dele e, além de não defender nosso autêntico forró, tentam desqualificar o forró reduzindo-o a um mero divertimento musical de pessoas pobres e ignorantes.
Como prova disso, repasso aos leitores o desabafo antigo de um amigo intelectual de primeira linha, amante da música erudita e da boa leitura. Muito conceituado aqui e agora noutras terras, onde desfruta da merecida aposentadoria. Certa vez esse conterrâneo me confidenciou, pedindo-me não alardear: “Não suporto o furum fum fum de uma sanfona, nem as letras chorosas ou sem graça cantadas por nordestinos, até mesmo os tidos como grandes astros, como Luiz Gonzaga. Forró chega a ferir meus tímpanos”. Depois disso, o homem deitou falação sobre Bach, Beethoven, Chopin, Mozart e sobre suas obras.
Isso foi o suficiente para eu detectar que estava diante de alguém altamente complexado; que tinha vergonha de suas origens e que usava sua intelectualidade para disfarçar isso. Embora tentasse camuflar, sua reação denunciava ser falsa a repulsa àquilo que se acha impregnado em suas raízes.
Na ocasião, até lhe sugeri conhecer mais nossa música nordestina, a história de vida de seus maiores vultos, o esforço deles para denunciar o sofrimento do seu povo, a cobrança por melhores dias para sua gente sofrida e a grande contribuição de artistas nordestinos para a cultura nacional. A princípio, o amigo demonstrou indiferença; mas depois caiu na real.
Pois não é que parece que o “doutor” depois resolveu atender meu conselho! O fato foi comprovado pela mudança de pensamento sobre música e também pela ampliação de suas preferências musicais. Passou também apreciar a verdadeira música de raiz através da obra de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Zé Gonzaga, Dominguinhos, Waldonys, Marinês, Anastácia, Trio Nordestino, Os e do Nordeste e muitos outros. O homem está até “furunfunfando” por aí ao som desse pessoal! Beleza, né?
Agora pergunto: Será que o citado intelectual teria mesmo essa aversão ao trabalho e ao talento musical dos conterrâneos? Ou será que o que lhe faltava mesmo era um belisçãozinho, a fim de despertar para o que temos de bom no Nordeste em termos de arte?
Fico com a segunda opção, e justifico. Repare só: Há algum tempo botei pra tocar num local muito frequentado um “especialzinho” de Luiz Gonzaga, que havia preparado para meu Programa na Rádio Educadora. Não deu outra: empolgação total de quem estava presente. Prova incontestável de que o que está faltando é só mais divulgação da autêntica música nordestina, mais valorização e divulgação do nosso gostoso forró, e não do forró de plástico, descartável, do pornoforró. Não somente mais divulgação dele (forró), mas de toda a MPB. Quem tem bom senso e bom gosto agradece.
Fica o recado: Maior divulgação da verdadeira música nordestina (forró) inspiraria ainda mais os músicos atuais. No caso do nosso autêntico forró, tornando-o mais conhecido e mais acessível principalmente ao público jovem, garanto que esse vazio e nojento lixo chamado “pornoforró” vai “dançar” rapidinho, rapidinho. O neologismo (pornoforró) vai por conta da indignação a esse pseudoforró que está por aí e também vai por conta do amor à verdadeira MPB, que precisa ser prestigiada como merece.
Em 9 de dezembro de 2021, de forma unânime o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) elegeu o forró como Patrimônio Cultural do Brasil. Além disso, o forró também foi reconhecido como supergênero musical, por reunir ritmos nordestinos, entre eles, o xote, xaxado, baião, chamego, a quadrilha, o arrasta-pé e o pé-de-serra. Merece destaque o trabalho da Associação Cultural Balaio do Nordeste, do estado da Paraíba, realizado em 2011, que resultou no encaminhamento do pedido de registro para tornar o forró patrimônio cultural.
Fique atento: se você também é acometido daquilo que maltratava e sufocava o amigo citado no início, lembre-se de, pelo menos, três lições deixadas por Gonzagão: seja humilde; não tenha vergonha de suas raízes e nunca perca a oportunidade de defender e valorizar seu povo e sua cultura.
E não somente no dia 13 de dezembro (Dia Nacional do Forró), mas sempre que estiver diante de uma sanfona, de um triângulo e de um zabumba, convide todos para forrozear, ou, melhor ainda, para GONZAGUEAR!