Panegírico ao Acadêmico Cônego José Linhares Ponte na Sessão de Saudade da Academia Sobralense de Estudos e Letras – ASEL.

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Saudade… Hoje, no rito acadêmico iniciado lá nos idos de 1635, pelo Cardeal Richelieu, na França, tecemos a memória de um confrade que partiu para a eternidade. E, contritamente, nos unimos para enaltecer sua passagem pela terra e sua presença entre nós. Ele é imortal. A condição de imortal não significa que nunca iremos morrer, mas, que nunca deixaremos de pertencer a uma arcádia. Uma vez eleitos e tendo cumprido as condições necessárias, pertenceremos sempre àquela entidade. E quando centenária, a exemplo da ASEL, muitos passaram, muitos passarão por nossas vagas que têm um número simbólico, amparadas por um patrono. E a saudade, minhas senhoras e meus senhores, o que é ela? É muito difícil defini-la. A alemã de nascimento e portuguesa de coração, primeira mulher a lecionar numa universidade portuguesa, a Universidade de Coimbra, Dra. Carolina Wilhelma Michaëlis de Vasconcelos, autora do clássico “A Saudade Portuguesa”, diz-nos que a Saudade, bem ao estilo português, “era considerada quase como filosofia ou religião nacional”.
Mais adiante afirma que à saudade “… não tenha equivalente em língua alguma do globo terráqueo e distinga unicamente a faixa atlântica, faltando mesmo na Galiza de além-Minho. Há quatro vozes peninsulares, de origem neolatina todas elas, que são sinônimas de saudade. E todas elas foram já citadas por críticos nacionais e estrangeiros. Certo é apenas que não correspondem plenamente ao termo português”.
E, nós, brasileiros, herdamos esse sentimento português, tão belo e ao mesmo tempo tão rico que Dona Carolina Michaëlis, como foi conhecida em Portugal, define como “expressão desse afeto dirigido a pessoas ausentes. Esse bem desejado, ausente, pode ser: tanto a terra em que nascemos, o lar e a família, os companheiros da infância, como a bem-amada, ou o bem-amado”.
Panegírico. Assim definiu nosso Presidente Arnaud de Holanda Cavalcante no convite para essa sessão. Agradeço, Sr. Presidente, a confiança. Sendo eu ainda jovem não tanto como desejava, mas, jovem para conhecer o nosso homenageado, Padre Zé. Um panegírico, palavra de origem grega, quer dizer “reunião”. Era, originalmente, na Grécia antiga, o discurso de caráter encomiástico ou laudatório que era pronunciado em grandes reuniões festivas do povo.
Acho que a atribuição deveria recair sobre outros nossos confrades. Até sugeri ao Mestre-Amigo Prof. Valdeci de Vasconcelos para dividir a tarefa comigo, ele que primeiramente foi convidado a falar sobre o nosso Confrade que partiu.
E do alto de onde esteve em relação a nós, não por desejo, mas, por suas ações e agora pela eternidade, nosso querido Pe. José Linhares Ponte, imortal de nossa Academia, poderia citar Mahatma Gandhi: “Eu não tenho mensagem. Minha mensagem é minha vida”. Hoje tivemos um dia chuvoso em nossa Sobral. E a chuva é a maior alegria para o sertanejo. Parece que a tendo, o sertanejo tem tudo. Certamente, o Pe. Zé está feliz. Recebeu de Deus a plenitude da vida e nos diz, também, caros colegas, meus familiares e amigos, a recompensa chegou. Uni-me ao mistério insondável que tanto preguei enquanto sacerdote, algo que o psicólogo, pedagogo e administrador que fui não explicaria, mas, que o filósofo investigou e o teólogo contempla as verdades guardadas pela fé.
Zé, meu menino de Guaraciaba do Norte, sobralense há tantos anos, que conheci junto com seus pais, meus amigos, e seus irmãos, por meio do santo amigo Mons. Antonino, fale. Não tenha medo! Deixe que a emoção se demonstre. O psicólogo que fui lhe diz que não é feio se emocionar, demonstrar afeto, quando se é verdadeiro.
Senhoras e Senhores, eu nutri grande afeto e admiração pelo Pe. Zé desde que o conheci quando tinha uns 11 anos de idade. De lá para cá, nunca deixei de admirá-lo e construímos uma amizade fraterna.
Há muito o que se dizer sobre o Acadêmico-Padre José Linhares. Muito mesmo. Do ser humano, do sacerdote, do administrador, do educador, do deputado, com 1.270 proposituras na Câmara dos Deputados do Brasil e só isso daria uma enciclopédia e não apenas um livro. E o que dizer de quem dedicou 33 anos a salvar vidas não só plano espiritual, mas, no plano terreno, na saúde, na Santa Casa de Misericórdia de Sobral, que em suas mãos foi a melhor do País?
Ah, Padre Zé. Me perdoe. Eu não tenho como tecer sua biografia. E não usarei a segunda pessoa do singular, como um dia, no seu Jubileu de Ouro Sacerdotal, seu irmão no sacerdócio e amigo, Mons. Francisco Sadoc de Araújo, meu primo velho, como ele dizia, usou para falar um irmão, pois, foi assim que Paulo, o antigo Saulo de Tarso, escreveu a Tito, discípulo que o acompanhou em diversas viagens, referindo-se a ele como “filho na fé”. Mons. Sadoc o chamou de irmão, mas, fez a saudação na segunda pessoa do singular. Eu estava lá e lembro-me muito bem.
Vou ao seu livro em dois volumes, “A História da Santa Casa de Misericórdia de Sobral: Sonho, Saga, Sacramental (Mistério e Milagre)”, e transcrevo sua biografia. Ninguém melhor que o Senhor para registrar em rápidas palavras, uma vida tão eficaz, tão generosa, tão grande…
“Padre José Linhares Ponte nasceu em Sobral no dia 21 de outubro de 1930, filho de Francisco Jacinto Ferreira da Ponte e Maria Linhares.
Concluiu os cursos de Filosofia Plena na Universidade Federal do Piauí e de Teologia no Seminário Arquidiocesano de Fortaleza. Ordenou-se e recebeu a ordem do presbiterato das mãos de Dom José Tupinambá da Frota, sendo o 89º sacerdote por ele ordenado.
Exerceu vários cargos na Diocese de Sobral, nomeado pelo Bispo Diocesano. Assume a direção do Colégio Sobralense e a provedoria da Santa Casa de Sobral, sendo nomeado, dois anos depois, administrador do Hospital.
Professor de Ciências Religiosas e Psicologia na Faculdade de Filosofia Dom José, ministrou aulas de Pastoral Hospitalar na Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da UVA.
Colaborou e presidiu diversos órgãos da sociedade civil nacionais e internacionais. Reeleito Deputado Federal em seis legislaturas, presidiu o Conselho Estadual de Educação do Estado do Ceará.
É detentor das mais enobrecedoras e mais tradicionais comendas, condecorações e títulos honoríficos nacionais”.
Iniciando seu livro sobre a Santa Casa, o Cônego José Linhares Ponte, Padre Zé, Acadêmico Pe. José Linhares, diz “Intento legar à posteridade, simultaneamente, a História, a Saga e a Sacramentalidade desta Instituição, servidora incontestável de toda a Região Norte do Estado do Ceará, estendendo sua ação a nossos Estados vizinhos, Piauí e Maranhão. Escolhi o vocábulo Prelúdio para traduzir, ao mesmo tempo, seus dois significados, como: Prenúncio, sinal – aquelas nuvens são prelúdios de tempestade; Exórdio, música – peça independente composta para piano, geralmente baseada num único e breve texto. Neste exórdio vamos nos encontrar com o autor do Monumento, um rápido perfil de sua personalidade, sua brilhante cultura, mas, sobretudo com o sacerdote que ofereceu no altar de sua existência, talento, valores materiais e espirituais, suor, lágrimas e vida pela sua Igreja e seu rebanho. Dentre seu imenso cabedal de cultura, vamos nos deparar com um homem que acalentava sonhos e devotou os melhores dias de sua vida a realizá-los e a construir uma cidade com todos os requisitos de uma metrópole”.
Neste volume, o 1, o grande homem e cidadão que foi o Pe. José Linhares tece uma imerecida homenagem a este que vos fala. Transcreve as memórias de Dom José Tupinambá da Frota cuja publicação coordenei. Ao final, diz o Padre Zé: “Registramos nossos agradecimentos ao Senhor Doutor, Professor José Luís Lira, que escrupulosamente, como bom pesquisador, nos presenteou com a ‘Ephemerides da minha Vida’”.
Este livro do Pe. José Linhares é de leitura obrigatória de todos nós, cidadãos brasileiros. É um Senhor, na plenitude de seus 90 anos, falando, tecendo uma espécie de prestação de contas do que foi sua vida dedicada ao seu povo, especialmente quando geriu a Santa Casa e sendo partícipe de sua História conta a História completa daquela entidade tão importante para todos nós.
Sobre a ideia de Dom José de criar a Santa Casa de Misericórdia, o Padre Zé diz: “A inspiração de construir uma Santa Casa, no sertão adusto da Região Norte, foi recebida como uma saga. Os contemporâneos a receberam, ou como um desvario ou um gesto impetuoso de um humilde padre doutor, que chegando da distante Europa, não pisara com firmeza nas limitações e pobreza do solo que vira nascer. Mal sabiam eles que por trás daquela saga, havia um gigante de vontade férrea, de autodeterminação que não se acovardava no nicho da mediocridade e que não recuava frente aos empecilhos. Olhando, hoje, à distância vejo o prelúdio de uma sinfonia, que embala nossos sonhos de sobralidade. Quando comecei a ler as reações esboçadas por D. José, descobri que os cidadãos da minha querida Sobral mudaram muito pouco. Ao tempo em que encetei a construção do Hospital do Coração, senti e fui desafiado por vários interlocutores que, no seu pessimismo, repetiram as mesmas imprecações ouvidas e sentidas ao tempo de Dom José em sua gloriosa inspiração”.
Consta que Dom José utilizou na construção da Santa Casa de Misericórdia, recursos da venda do prédio da Casa de Caridade do Pe. Ibiapina e isto une a Cadeira que ocupo, muito honrado, nesta Casa, a de Nº 24, que tem por patrono o Padre Ibiapina, à cadeira do Pe. Zé Linhares, a de número 40, que geriu a Santa Casa por tantos anos.
Padre Zé Linhares foi, com todos os méritos, Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), cuja reitora, Profa. Dra. Izabelle Mont’Alverne, muito honrado, represento nesta solenidade; presidiu o Rotary Club de Sobral, presidiu a Federação das Misericórdias e Entidades Filantrópicas do Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte. Foi Vice-Presidente e Presidente da Confederação das Misericórdias do Brasil, sediada em São Paulo. Foi Presidente do IDT de Sobral e Presidente da Confederação Internacional das Misericórdias e muitas outras funções exerceu.
Foi o construtor do Hospital do Coração que, merecidamente, recebe seu nome, do Hotel Visconde e administrou, também, o Abrigo Sagrado Coração de Jesus.
E me lembro de uma música de suas candidaturas a Deputado Federal: “Com trabalho, saúde e fé, para Deputado Federal vamos votar no Padre Zé”. Não conhecendo tão bem o Padre Zé quanto a maioria das senhoras e dos senhores, eu diria assim: com fé, em Deus, acima de tudo, e com a ajuda d’Ele, Padre Zé trabalhou incessantemente e cuidou da saúde desse Estado do Ceará, da Educação e nos deixou um imensurável legado como homem de fé e de amor a Deus e ao próximo.
Padre Zé era Sócio Honorário da mais jovem entidade cultural sobralense, por indicação nossa de fundador, o Instituto Histórico e Geográfico de Sobral, e muito antes, se imortalizou na mais antiga entidade cultural de Sobral e uma das mais antigas do Ceará, a Academia Sobralense de Estudos e Letras, ocupando a cadeira de Nº 40, cujo patrono é José Lourenço Aguiar, Dom José Lourenço da Costa Aguiar, sobralense, primeiro bispo da Diocese do Amazonas, de 1893 a 1905.
Ao final desta sessão, Sua Excelência o Sr. Presidente, Acadêmico Arnaud de Holanda Cavalcante, declarará vaga a Cadeira de Nº 40, mas, todas as vezes que se for fazer a memória dessa cadeira se destacará como seu mais ilustre ocupante o Excelentíssimo Senhor, Reverendíssimo Pe. José Linhares Ponte, de quem espero, Sobral nunca esqueça, pois, eu, enquanto viver, guardarei sua memória!
Estas, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Acadêmicos, nobres familiares do Acadêmico Pe. José Linhares Ponte, caros convidados, são palavras de um discípulo tecendo a memória de um de seus grandes mestres!
Gratidão!
José Luís Araújo Lira – Titular da Cadeira de Nº 24 – Patrono: Pe. Ibiapina – Sobral, 20 de fevereiro de 2025



