por Ary Albuquerque
QUANDO O RÉU É UM VIOLÃO
Relato para os leitores verdadeira crônica da vida real. Fato verídico acontecido em João Pessoa, Paraíba, com o poeta e
ex-governador, Ronaldo Cunha Lima, quando esse atuava como advogado militando no fórum do vizinho estado.
Transcrevo “IPSIS LITTERIS” a entrevista do poeta, ex -causídico, na época, aos repórteres locais.
“Eu fui procurado por um amigo que foi preso e autuado em flagrante porque estava fazendo uma serenata. Imagine, olhe, que insensibilidade, né, meu amigo? Você ser preso porque, e foi enquadrado como perturbação do sossego público. Ele pagou a fiança, mas o delegado ficou com o violão. Fez o inquérito e mandou para a Justiça o inquérito, e o acompanhou o violão, como instrumento do crime. Ele me procura para que eu libere o violão. E eu fui ao cartório falar com o juiz, que era na época o Dr. Arthur Moura, que logo depois era guindado ao Tribunal de Justiça, depois presidente do Tribunal de Justiça. Um homem de muita sensibilidade. E o juiz disse: ‘Olha, Ronaldo, o advogado é poeta. O réu é boêmio. O instrumento do crime é violão. Isso dá verso. Esse juiz era poeta, né? É, era poeta. O juiz é notável. Ele hoje está residindo, ele se aposentou há poucos dias no Tribunal, o desembargador, mas uma imensa alma, grande criatura. Eu tenho por ele uma grande admiração. E, então, eu fiz, eu compus esse, essa petição do Habeas Pinus, que era para, para liberar o violão. E consegui, com o despacho do juiz, que o Dr. Arthur Moura, que foi um despacho, ele deferiu, concedendo a ordem. Que o despacho é um verso também, né? Despacho em verso. A petição é a seguinte: O instrumento do crime, que se arrola neste processo de contravenção não é faca, revólver, nem pistola. É simplesmente, doutor, um violão. Um violão, doutor, que na verdade não matou nem feriu um cidadão. Feriu, sim, a sensibilidade de quem o ouviu vibrar na solidão. O violão é sempre uma ternura, Instrumento de amor e de saudade. O crime a ele nunca se mistura. Nem existe entre ambos afinidade. O violão é próprio dos cantores, dos menestréis de alma enternecida, que cantam as mágoas que povoam a vida e sufocam as suas próprias dores. O violão é música e é canção, É sentimento, é vida, é alegria. É pureza, é néctar, é extasia. É a dor no espiritual do coração. Seu viver, como o nosso, é transitório. Mas seu destino, não, se perpetua. Ele nasceu para cantar na rua. E não para ser arquivo de cartório. Mande soltá-lo pelo amor da noite, que se sente vazia em suas horas, pra que volte a sentir o terno açoite de suas cordas leves e sonoras. Libera o violão, doutor juiz. Em nome da justiça e do direito. É crime, porventura, o infeliz. Cantar as mágoas que lhe enchem o peito? Será crime, afinal, será pecado? Será delito de tão vis horrores? Perambular na rua um desgraçado derramando na praça as suas dores? É o apelo que aqui lhe dirigimos, na certeza do seu acolhimento. Juntada desta aos autos nós pedimos E pedimos também deferimento. A resposta do juiz! E o despacho do juiz: “Para que eu não carregue remorso no coração, determino que se entregue ao seu dono o violão.”
Uma estória inusitada que merece ser lembrada para o grande público leitor…

