CRUZ E SOUSA ENTRE A POESIA E O PRECONCEITO
O objetivo do presente artigo é examinar a interferência do preconceito racial e a teoria crítica literária sobre o poeta Cruz e Sousa. Ou seja,muitos estudiosos da literatura ainda persistem, aqui e ali, numa leitura interpretativa, colocando Cruz e Sousa como poeta um bilical mente ligado a uma escola simbolista. Não, há, portanto, independência total do objeto estético em relação sua poesia, visto apenas como num contexto de uma escola literária.
Consequentemente o poeta negro Cruz e Sousa, porta-voz do transtorno do preconceito, condenado a ser exótico pela crítica conservadora,era obrigado a viver numa fuga, flamando de lá para cá, para garantir sua sobrevivência literária, enfim, fez do seu combate de sentido no espaço do poema, de dizer o que quase ninguém queria ouvi, no seu “Emparedado.” O poeta pergunta: “Qual é a cor da minha forma? Do meu senti? Qual é a cor da tempestade? Qual é a cor de dilacerações que me abalam? Qual a dos meus sonhos e gritos? Qual a dos meus desejos e febres?
Ter ideias, num mundo de convenções e preconceitos é sempre muito perigoso, principalmente se o cidadão libertário investe contra os preconceitos.Foi o caso de Cruz e Sousa, um poeta negro forçado pelo sistema político literário, a viver sempre numa fuga, sobrevivendo aos acontecimentos de toda a casta.
Ora apreender o poeta Cruz e Sousa em um simbolismo, é apreender sua liberdade e censurar uma poesia universal, como quis a crítica há muito tempo. Isso é oportuno pensar, desde de José Verissimo não tem feito muito mais do que evidenciar, as precariedades de não saber garantir uma convivência do poeta, a partir da trágica imagem de um homem negro nas suas constantes denúncias e protestos. Uma missão civilizatória da literatura, que acrítica, soterra!
Se analisarmos em termos de fenômeno poético, percebemos que o simbolismo em Cruz e Sousa. é a razão da desrazão, territórios de paradoxos, às invenções do conhecimento de que falava Arthur Rimbaud. Ou atentar para o que diz dele um poeta revolucionário como Mallarmé, há simbolismo em Cruz e Sousa sim, mas antes de tudo há um poeta.
Aqui, cabe ressaltaré desse poeta que estamos falando, que separa o tempo e o espaço, som e sentido; verdade e mentira, luz e sombra, nas entrelinhas de “Broquéis.” A partir do qual se possa divisar uma imagem do poeta negro do parâmetro simbólico. Ou seja,nosdeixando ver em sua poesia,por alguns estantes a primazia da africanidade universal.
Isso, nos deixa claro, que a poesia não admite conceito nem preconceito. Como a respeito de todas as coisas absolutas, podemos afirmar apenas que ela é. E isso é tudo. Ou talvez se possa dizer dela o que Santo Agostinho dizia do tempo, quando não me perguntam, eu sei o que é, quando tenho de responder, já não sei. E nada há de mais tolo e de mais prosaico do que uma tentativa de tesesacadêmicasou críticas literárias do que uma tentativa de definição depoesia. Nesse sentido, a poesia de Cruz e Sousa teve o poder de ganhar com ele. E valeu a pena para todos nós.
Por dentro da constatação dessa análisedo fazer poético, que funciona como o denominador comum de todos os contrassensos,nos leva para outro fato sob uma visão um tanto elitistado ex-presidente da Academia Brasileira de Letras Austregésilo de Athayde. É dele afirmação, que o poeta Cruz e Sousa, não teve seu ingresso na Academia, porforça da maioria dos brancosparnasianos.Nesse sentido, mexe com as tendências tendenciosas de uma vaidade intelectual preconceituosa: dos que lutaram para nela ingressar; o dos que viviam a proclamar que ora acadêmico e sempre será acadêmico, mas a verdade é que,o equilíbrio entre arte, tempo e vida, do mulato Machado de Assis, cuja lição poucos aprenderam.
Mas o impulso metafórico evaidoso hipotecou todas as definições acadêmicas preconceituosas feitas ao poeta negro.Não perceberam que através dos séculos. Mudam-se os tempos, mudam os homens e o seu pensamento, vez a razão maior de uma continuada existência da poesia válida de Cruz e Sousa, com quase duzentos anos, sempre prestigiada e se mexendo para todos os lados, inquieta.
Portanto, aí está, a poesia deCruz e Sousa. Ela pulsa em um lugar todo seu, onde possa apresentar negra e branca, neófita ou ortodoxa, burguesa ou excluída, com o verde dela mesmo, porque ela é roça universal suficiente para alimentar homens, bichos e pássaros, e assim sendo, sua dimensão está além dos ciúmes acadêmicos e do egocentrismo parnasiano.
Apesar desses acontecimentos, em vez de um progressivo acontecer literário, poucos aprenderam com a poesia de Cruz e Sousa.A verdade, são poucas elucidativas, na maioria das vezes. E isso nos deixa um tanto constrangido, porque considero queopapel da poesia é arrastar-nos do racional para o emocional. Comumente, nós utilizamos a linguagem para transmitir ideias. A poesia parte das ideias para criar linguagem. O poema é, por isso, um artefato linguístico produtor de sensibilidade estética. É no território da linguagem que se desvenda o inverso da poesia. Donde se conclui que a poesia cria a linguagem para nela instaurar e como tal e não para ser definida por ela. Nesse sentido, dou razão a Castro Alves, que, lembrando o escritor francêsVIllemain, concordouem que a poesia é umacoisasem nome, que muitas vezes não tem feições distintas, é um capricho da alma e com ela a impossibilidade da análise é a vitóriado gosto.
Afinal, parece-me lícito dizer, aqui e agora, é preciso que, a novacrítica literáriase afaste mais dessa paradigmática dos acontecimentos das escolas literárias. A leitura interpretativa se torna ainda mais interessante à medida que, na modernidadeseestabeleça um anexo entre a poesia de Cruz e Souza e a crítica, o que legitimaria mais o seu fazer estético.
Entendemos, que essa experiencia literáriaservepara demarcar o espaço simbolista com a sensibilidade estética em que o poeta se move.Comono poema: “Oassinalado.” Nele,a grandeza de Cruz e Sousa, está, porém, em que ele não se contamina pelos prejuízos sociais preconceituosos. E cria uma nova moral, que seja substituída pelas negras algemas, para que o homem esteja completo na sua humanidade. Este é o poeta do desterro João Cruz e Sousa, um dos maiores poetas brasileiros.
Jornalista, Historiador e Crítico literário.