Dom Vasconcelos posses

A esperança que não decepciona
Mês da Bíblia 2025

Celebrar o Mês da Bíblia é sempre um convite a colocar a Palavra de Deus no centro da vida da Igreja e de cada fiel. Neste ano de 2025, o tema escolhido nos leva ao coração da Carta aos Romanos, obra-prima do pensamento de São Paulo e testemunho ardente de sua fé em Cristo. O lema, retirado do capítulo 5, versículo 5 – “A esperança não decepciona” – soa como um bálsamo para os nossos tempos e um chamado a redescobrir o núcleo da fé cristã. Cristo é a nossa esperança.
Na tradição brasileira deste mês, o tema, um livro da Bíblia é para ser estudado, lido, aprofundado, conhecido.  O Papa Francisco instituiu para toda a igreja, no início do ano, no terceiro domingo do tempo comum, domingo da Palavra de Deus.
O Apóstolo escreve aos cristãos de Roma em meio a desafios profundos: uma comunidade marcada pela diversidade cultural, pelo confronto com valores do Império e pelas tensões próprias de quem se inicia na fé. Não era uma Igreja consolidada ou acomodada, mas um grupo de homens e mulheres que arriscavam a vida para viver segundo o Evangelho. Entre eles havia pobres, escravos libertos, estrangeiros e famílias perseguidas, todos unidos pela mesma fé em Cristo. Diante desse cenário, Paulo apresenta Jesus como fundamento da vida nova e recorda que, pela graça do Espírito Santo, o amor de Deus foi derramado em nossos corações. É exatamente esse amor que sustenta a esperança e a torna firme, não como desejo frágil ou ilusão passageira, mas como certeza enraizada no próprio Deus.
Essa esperança não é fuga da realidade. Ao contrário, é força transformadora que permite aos cristãos enfrentarem perseguições, injustiças e sofrimentos sem perder a confiança. Quando São Paulo afirma que “a esperança não decepciona”, ele nos lembra que o olhar do cristão deve estar além das aparências imediatas. O mundo romano oferecia poder, prestígio e conquistas materiais, mas também carregava violência, opressão e desigualdade. A comunidade cristã, inspirada por essa carta, descobria que somente a fidelidade de Deus é capaz de oferecer futuro verdadeiro.
Olhando para a realidade atual, marcada por guerras, desigualdades, violência urbana, crises econômicas e uma profunda sensação de desânimo coletivo, é natural que muitos se perguntem: ainda é possível ter esperança? A resposta de Paulo, ecoada na vida da Igreja, é clara: sim, a esperança cristã não decepciona porque não depende de cálculos humanos nem de previsões sociais, mas da fidelidade de Deus. Ela se torna luz para caminhar mesmo nos vales sombrios da história, quando parece que as forças do mal triunfam.
Este Jubileu de 2025, convocado pelo saudoso Papa Francisco e levado a cabo pelo querido Papa Leão XIV, reforça a urgência de uma Igreja centrada na Palavra. O Santo Padre tem insistido que a esperança não é uma teoria, mas prática de vida que deve moldar nossas escolhas, nossa pastoral e nosso testemunho. A esperança que brota da Escritura nos impulsiona a sair de nós mesmos, a cuidar da criação, a lutar por justiça, a construir pontes em um mundo dilacerado por divisões. A Carta aos Romanos nos ensina que somos justificados pela fé, reconciliados com Deus e chamados a viver como membros de um só corpo. O caminho do cristão, portanto, não é marcado pelo medo ou pela resignação, mas pela ousadia de quem acredita que o Reino de Deus já está em ação.
No Brasil, o Mês da Bíblia tem sido, desde 1971, ocasião privilegiada de estudo e oração comunitária. É uma tradição que uniu gerações, levando-nos a descobrir que a Sagrada Escritura não é um livro antigo e distante, mas Palavra viva, que fala hoje à nossa história. Em cada setembro, nossas comunidades se reúnem para ler, meditar e rezar um livro da Escritura, trazendo-o para dentro da vida cotidiana. Este ano, somos convidados a abrir a Carta aos Romanos em nossas comunidades, famílias e grupos, deixando que a mensagem de esperança se torne prática de vida.
Mas o que significa, concretamente, viver essa esperança que não decepciona? Significa cultivar paciência em meio às dificuldades, coragem diante das provações, compromisso diante das injustiças. Nossas paróquias são desafiadas a oferecer aos fiéis espaços de escuta e partilha, onde a Palavra seja rezada, compreendida e aplicada às situações concretas: o desemprego que aflige famílias, a insegurança que atormenta cidades, a juventude sem perspectiva, a violência contra a mulher, a destruição da natureza, a solidão dos idosos, o abandono dos pobres. É nesse terreno real que a esperança cristã precisa florescer como resposta de fé e compromisso social. Em nossa arquidiocese é tempo das grandes assembleias dos círculos bíblicos em cada vicariato. Preparamo-nos para comemorar no último domingo deste mês, próximo a memória de São Jerônimo, o Dia da Bíblia.
A esperança bíblica não nos afasta do mundo, mas nos lança de volta a ele com novo olhar. Por isso, o estudo da Carta aos Romanos não pode ser apenas exercício intelectual, mas caminho de conversão pastoral. Somos chamados a formar comunidades que testemunhem o amor gratuito de Deus, superem divisões internas, valorizem a diversidade cultural e permaneçam fiéis à unidade do corpo de Cristo. É missão de todos nós testemunhar que, apesar das sombras, a luz de Cristo jamais se apaga.
Olhando para frente, vejo que a grande missão da Igreja é ser testemunha desta esperança inabalável. Não se trata de um otimismo ingênuo, mas da convicção de que a cruz não é a última palavra, porque a ressurreição é a certeza definitiva. Essa esperança é revolucionária porque transforma corações, dá coragem aos que sofrem e fortalece a solidariedade. Ela não se fecha no indivíduo, mas se abre para a comunidade, para a cidade, para o mundo, tornando-se fermento de paz e justiça.
Peçamos à Virgem Maria, que acreditou contra toda esperança, que nos ensine a acolher com humildade a Palavra e a viver com confiança a promessa de Deus. Que, neste Mês da Bíblia, possamos anunciar com a vida e com as obras: “A esperança não decepciona!”.

Cardeal Orani João Tempesta – Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)

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