Dando continuidade às reflexões que temos feito sobre a Campanha da Fraternidade (CF) 2024, queremos reafirmar o convite que a Igreja nos faz a transpor o muro da indiferença, superar as inimizades e a criar uma cultura diferente, baseada no cuidado, no respeito e no acolhimento do outro, mesmo que o outro seja diferente.
A amizade social compreendida como um valor em si mesma e como um dom de Deus aos seres humanos, ajuda-nos a superar as sombras de um mundo fechado e a compreender o outro que diverge de mim como alguém que, tanto quanto eu, tem o direito de existir. Todos somos irmãos, portadores de uma mesma dignidade, que deve ser sempre reconhecida e promovida. Todo ser humano é criado à imagem e semelhança do Criador. Nisso entendemos que não existe hierarquia de dignidade.
“Infelizmente, na sociedade em que vivemos, imperam, cada dia mais, a intolerância e o consequente desejo de eliminar o diferente, seja uma eliminação real (homicídio), seja uma eliminação virtual (cancelamento). Esta realidade é tão fortemente presente que podemos caracterizar a nossa cultura como a cultura do cancelamento” (Texto-base da CF 2024, n. 33).
As redes sociais têm-se tornado um campo onde se semeiam a indiferença, o ódio, o preconceito e a intolerância. Isso tem gerado um esvaziamento da força do diálogo na comunicação. Talvez, por isso a CF tem incomodado tantos grupos. Ela nos chama à conversão ao diálogo, à amizade, ao compromisso com o outro. Bem sabemos que muitos grupos não estão dispostos ao diálogo, nem muito menos à comunhão eclesial. Inclusive grupos que se dizem resguardar a tradição católica!
Nossa sociedade, hoje, está dividida. A rejeição ao outro impede-nos de enxergar a riqueza das diferenças. Com as diferenças, completamo-nos uns aos outros, somamo-nos uns aos outros, aprendemos uns com os outros. Com as diferenças, somos companheiros de uma mesma humanidade!
Não se pode perder essa identidade comum que nos irmana em uma fraternidade universal. Um indivíduo não pode viver isolado, sem referência ao coletivo, à comunidade, ao bem comum. A CF chama-nos a atenção sobre a síndrome de Caim. É uma referência ao episódio em que Caim matou seu irmão Abel (Cf. Gn 4,8).
Caim apenas pensou em si mesmo, perdeu o senso de responsabilidade de zelar pela vida do irmão e deixou-se levar por sentimentos ruins. Escolheu, então, eliminar a vida de Abel. “O Senhor perguntou a Caim: ‘Onde está Abel, teu irmão?’ Ele respondeu: ‘Não sei. Acaso sou o guarda do meu irmão?’” (Gn 4,9). Sua resposta a Deus é carregada de indiferença e de falta de empatia.
Diante de tudo isso, a CF 2024 quer nos lembrar que: “A nossa humanidade não é só pecado e divisão. O ímpeto de comunhão, de fraternidade, de diálogo e amizade social está escrito em nossa natureza gerada no amor da Trindade” (Texto-base da CF 2024, n. 77). De um modo especial, em nosso povo brasileiro existe um bonito potencial de fraternidade e de solidariedade. Isso nos ajuda a sanar as feridas da inimizade e a proclamar a esperança de um futuro mais humano e feliz, em que todos se reconheçam irmãos e irmãs.

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