João Batista apresentou Jesus como o Cordeiro que tira o pecado do mundo. Todos os dias, na Celebração Eucarística, a Igreja o mostra em sua face de Salvador imolado, morto e ressuscitado, que tira o pecado do mundo, e nós, mesmo dizendo não ser dignos de que ele entre em nossa casa, ousamos aproximar-nos para comungar, não tanto por méritos próprios, mas porque dele precisamos e sabemos ser necessário ir às fontes de água pura! E a Quaresma se apresenta, mais uma vez, como esta temporada rica de apelos à misericórdia e ao perdão de Deus, com a oferta generosa, da parte da Igreja, dos muitos meios para alcançar todas as graças que renovam em nós a fé batismal, com a qual penetramos confiantemente na vida da Santíssima Trindade.
No Quarto Domingo da Quaresma, as cores litúrgicas rosáceas nos indicam que algo de novo e diferente está para acontecer. E a Liturgia da Palavra nos faz recordar os feitos compassivos com os quais o Senhor age no meio de seu povo. De fato, o Senhor enviou aviso sobre aviso, por meio de seus mensageiros, pois tinha compaixão desse mesmo povo (Cf. 2Cr 36,14-16.19-23). O Apóstolo São Paulo proclama que Deus é rico em misericórdia, pelo amor que tem por nós, vindo ao encontro de nossa situação de pecadores (Cf. Ef 2, 4-10). E no diálogo com Nicodemos (Cf. Jo 3,14-21), Jesus anuncia que será elevado, para que todos os que nele crerem tenha a vida eterna, por causa do amor eterno de Deus pelo mundo, que enviou seu Filho para a salvação de todos. É hora de voltar os olhos da fé para o mistério de Jesus na Cruz, certos de que nascem dali torrentes de água viva. Celebramos uma Liturgia altamente consoladora e ao mesmo tempo comprometedora, a esta altura do caminho para a Páscoa.
Brota espontaneamente em nós o reconhecimento de nossa condição de pecadores, necessitados da misericórdia de Deus. Às vésperas deste Domingo Quaresmal, por todo o mundo celebra-se o evento das “Vinte e quatro horas para o Senhor”, com Adoração Eucarística e a oferta de oportunidades para celebrar o Sacramento da Penitência, com a disponibilidade dos sacerdotes para o atendimento do povo de Deus. Busca o Sacramento da Reconciliação a pessoa que toma consciência de ser pecadora. E pecado significa ferir a amizade de aliança estabelecida com Deus, por sua gratuita iniciativa, como a Igreja nos faz proclamar num dos hinos quaresmais: “Ferimos por nossas culpas o vosso infinito amor. A vossa misericórdia do alto infundi, Senhor”. Contemplamos o plano infinito de amor salvação que nos é oferecido, no espelho inconfundível da espada da Palavra de Deus. Um bom exame de consciência leva a perguntar-nos não tanto sobre o que fizemos de errado, mas o que Deus pensa de nossa vida. De verdade, “feliz o homem a quem Deus corrige! Não rejeites, pois, a repreensão do Poderoso, porque ele fere, mas trata da ferida; golpeia, mas suas próprias mãos curam”. (Jó 5,17-18). Passando por esta primeira atitude, podemos dizer com o salmista: “Reconheço a minha iniquidade e meu pecado está sempre diante de mim. Contra ti, só contra ti eu pequei, eu fiz o que é mal a teus olhos; por isso és justo quando falas, reto no teu julgamento” (Sl 50,5). De fato, “sacrifício para Deus é um espírito contrito. Deus não despreza um coração contrito e humilhado” (Cf. Sl 50,19).
Quem se abre à misericórdia sente muito mais vergonha dos erros cometidos do que o natural acanhamento de abrir o coração ao Confessor, o Sacerdote que recebeu a missão de espalhar misericórdia, no Tribunal da Penitência, cuja sentença, dada a todo pecador sinceramente arrependido, é a absolvição. Muito diferente dos tribunais organizados ou aqueles da opinião pública, ou, quem sabe, os mais tecnológicos, como nas redes sociais!
O resultado de uma experiência sacramental da Penitência a que somos chamados a viver nesta Quaresma é a alegria da vida nova, com a recomendação alegre e exigente de Jesus: “Ninguém te condenou?” Ela respondeu: “Ninguém, Senhor!” Jesus, então, lhe disse: “Eu também não te condeno. Vai, e de agora em diante não peques mais” (Jo 8,11). Tocamos continuamente na realidade da vida eterna, uma qualidade de vida que significa conhecer Jesus e o Pai, já nesta terra, caminhando para a plenitude que será a vida com Deus após a nossa Páscoa pessoal definitiva.
Com toda a confiança, nasce da experiência do perdão e da misericórdia o apostolado da misericórdia. Como o Bom Pastor que corre pelas colinas da vida à procura da ovelha perdida, a missão que recebemos é justamente aquela de praticar o perdão e a misericórdia. Nesta Quaresma, desejamos ir ao encontro de todas as pessoas feridas por nossa culpa pessoal, ou culpas dos outros, da sociedade em que vivemos ou do mundo. Não importa o tamanho das feridas físicas, emocionais, psicológicas ou espirituais, mas importa o compromisso de buscar as pessoas e situações. Um de nós poderá ser a voz da Igreja que conduz uma pessoa pecadora à Reconciliação Sacramental. Alguém poderá ser instrumento de comunhão para pessoas deprimidas e solitárias, e são muitas bem perto de nós, para levar consolação verdadeira, aquela que vem de Cristo. Todos poderemos perdoar-nos mutuamente!
Muitos poderão rever suas casas, gavetas e armários, tomando consciência do supérfluo tantas vezes acumulado, e que pode ser doado a outras pessoas ou instituições. Todos nós poderemos preparar-nos para o grande gesto da Coleta da Solidariedade, na Campanha da Fraternidade (“Todos vós sois irmãos e irmãs!), no Domingo de Ramos, dando testemunho concreto de que desejamos construir um ambiente mais desarmado, com a amizade social que a Igreja propõe como resultado de nossas reflexões quaresmais. A caridade, que cobre uma multidão de pecados, será a expressão mais concreta da misericórdia que recebemos e desejamos compartilhar. Este é um tempo forte e especial da graça. A nenhum de nós é lícito ignorá-lo!
Dom Alberto Taveira Corrêa – Arcebispo de Belém do Pará (PA)

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