Tecer redes de diálogos pelo bem maior é uma responsabilidade que precisa envolver cidadãos e cidadãs, considerando a urgente necessidade de superar problemas sociais.  A sociedade é complexa e requer dinâmicas essenciais para o resgate de valores capazes de substituir cenários abomináveis – dentre eles a desigualdade social e violência crescente.  Especificamente, é preciso superar a “babel” contemporânea. Essa “babel” é resultado de uma inabilidade generalizada para se lidar com o conjunto de subjetividades, de perspectivas de grupos e instituições, que constituem a sociedade. Na ausência de parâmetros inegociáveis, muitos deles detalhados na Doutrina Social da Igreja, não se avançará no estabelecimento de diálogos pelo bem maior. Ao invés disso, prevalecerá a mágoa que estimula reações de vingança ou desencadeia a indiferença. Serão naturalizadas atitudes egoístas que levam a perdas de tudo que já foi conquistado para o bem de todos. Na pluralidade de perspectivas, urgente é investir em referências capazes de alinhar entendimentos, em vista de diálogos pelo bem maior.
A busca pela consolidação dessas referências é caminho longo, mas também um amplo horizonte, que precisa enfatizar a importância de cada pessoa cultivar em si um coração de paz. Viver em “pé de guerra”, conforme se diz popularmente, impede o diálogo essencial ao alcance do bem maior. Esse bem, construído a partir de corações da paz, remedia desencontros, ajusta entendimentos e produz uma compreensão capaz de reconhecer que a vida se arquiteta a partir de ciclos que se abrem e se fecham. Nesse sentido, aqueles que cultivam coração de paz capacitam-se para bem escutar o conselho de Jesus aos seus discípulos, ante as muitas labutas e conquistas da vida. Todos, orienta o mestre, devem se considerar servidores, e, como simples servos, dizer com alegria: “Fez-se o que se devia fazer”.   Assim, um sentimento saudável fecunda o ciclo novo que se abre, inspira diálogos para o bem maior.
A contribuição cidadã para que sejam constituídos diálogos essenciais ao bem maior exige profundo respeito a cada pessoa. Trata-se de condição inegociável para se promover a paz, levando à urgente edificação de alicerces para sustentar um autêntico humanismo integral. A construção de um futuro mais sereno depende essencialmente desta atitude de cada pessoa: cultivar um coração de paz. Essa atitude não constitui simplesmente uma ação política, também não se trata apenas de civilidade emoldurada pela nobreza de atos, posturas e ditos. A paz no coração humano é efeito da ação divina, um dom de Deus. Há uma lógica moral inscrita na interioridade de cada pessoa que ilumina a existência, inspira a convivência entre os povos, determinantemente contribuindo para que sejam efetivados diálogos promotores do bem maior.
Só dialoga para o bem quem considera “cláusula pétrea” o princípio da igualdade essencial entre os seres humanos – todos filhos e filhas de Deus. Essa dignidade comum é, pois, alicerçada em uma pedra transcendente que não permite atitudes e sentimentos discriminatórios, excludentes, em nenhuma circunstância. Assim, se percebe que não basta simplesmente buscar ganhos individuais, desconsiderando o próximo. No conjunto de ensinamentos da Igreja Católica inscreve-se a convicção de que, na raiz das inúmeras tensões que ameaçam a paz, estão justamente as incontáveis situações de injustiça. Os diálogos pelo bem maior, capazes de tecer a paz, precisam ultrapassar interesses de grupos, o atendimento de “caprichos” pessoais ou partidários, para verdadeiramente priorizar o que gera igualdade e fraternidade. Para isso, cada pessoa deve incomodar-se com as perversas desigualdades no acesso a bens essenciais – comida, água, casa, saúde, dentre outros. Superar essas desigualdades que ferem os direitos humanos é a prioridade quando se pensa em diálogos pelo bem maior, que são essenciais à “ecologia da paz”.
A Doutrina da Igreja focaliza, ao lado do conceito de ecologia relacionado à natureza, a ecologia humana, vinculada ao contexto social, que para ser bem cuidado exige adequadas políticas públicas. E o coração de paz de cada pessoa é insubstituível para enfrentar, colaborativamente, os desafios deste tempo, na contramão das polarizações, do fechamento ao diálogo e da mesquinha defesa dos próprios interesses. Cada pessoa, esperançosamente, cultive um coração de paz, inspirando diálogos pelo bem maior.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

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