É TEMPO DE SOLIDARIEDADE
Nestes tempos de incerteza e sofrimento, é importante buscar orientação espiritual e força para enfrentar esses desafios. Deus está em nós em todos os momentos, apesar dos nossos atos.
A Sagrada Escritura nos ensina que somos chamados a ser bons administradores da criação divina. No Livro de Gênesis, Deus nos confiou a responsabilidade de cuidar da Terra: “Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os seres vivos que se movem sobre a Terra” (Gn 1,28). Isso nos recorda que a natureza é um dom precioso que devemos proteger e preservar.
Nesta semana, nossos irmãos do Rio Grande do Sul, especialmente os que vivem na região dos municípios de Muçum e Arroio do Meio — em um raio que compreende pelo menos 50 municípios —, estão enfrentando as consequências de um ciclone extratropical. É uma devastação que corta nosso coração. As imagens que circulam nas redes sociais e que são reproduzidas nas TVs, mostram o sofrimento de lugares que foram totalmente devastados. Em alguns pontos, a água de rios subiu mais de 15 metros. Uma foto chocante de uma ovelha sem vida, pendurada no alto da fiação elétrica em Muçum, dá a dimensão da fúria depois que a água do rio baixou. A Defesa Civil contabilizava na manhã desse feriado quase 40 vítimas.
Embora a comunidade científica tenha algumas ponderações, há um consenso de que a ação humana está acelerando o desequilíbrio o clima no mundo. Hoje, em qualquer parte da terra, certamente é possível avistar os efeitos climáticos. Esse é um assunto que preocupa nosso Papa Francisco e que frequentemente se manifesta. Já observou que na exposição à crise climática, “os pobres sentem ainda mais gravemente o impacto da seca, inundações, furacões e ondas de calor cada vez mais intensas e frequentes”. (https://tinyurl.com/vmnye9w9) “Os especialistas destacam claramente como as escolhas e ações implementadas nesta década terão impactos por milhares de anos. Ampliou-se o nosso conhecimento sobre o impacto das nossas ações na nossa Casa comum e naqueles que a habitam e habitarão. Isso também aumentou o nosso senso de responsabilidade diante de Deus, que nos confiou o cuidado da criação, diante do próximo e das gerações futuras.” (https://tinyurl.com/v8zzw6mp). O Papa está escrevendo uma segunda parte da Laudato Si e deverá ser assinada no início de outubro sobre essas preocupações.
As tragédias climáticas que presenciamos são um lembrete doloroso de como nossa ação irresponsável e exploração desenfreada dos recursos naturais podem ter consequências devastadoras. Devemos reconhecer nosso papel na mudança climática e buscar maneiras de viver em harmonia com a criação de Deus. A fúria do clima não é um castigo de Deus. É resultado da nossa ação. As tragédias — que afetam mais duramente os pobres — são resultado de tudo o que o homem faz.
Em momentos de dificuldade, Jesus Cristo nos ensinou a amar e cuidar dos necessitados. “Pois tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me acolhestes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e cuidastes de mim; preso, e fostes visitar-me” (Mt 25,35-36). Assim, somos chamados a estender nossa mão àqueles que sofrem devido às tragédias climáticas, oferecendo conforto, ajuda e esperança. A campanha de solidariedade desencadeada pelo Regional Sul 3 da CNBB deve merecer nosso interesse e partilha.
Vivemos tempos desafiadores, tempos que exigem nossa atenção, sabedoria e responsabilidade como cidadãos e como pessoas de fé.
Vemos em nosso país uma série de desafios, desde questões políticas até sociais, econômicas e de saúde. Estas são tempestades que muitas vezes parecem nos envolver, ameaçando a paz e a estabilidade que tanto valorizamos. A fome e, portanto, a insegurança alimentar, é outro flagelo que acomete 70 milhões de brasileiros segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas). (https://tinyurl.com/4nmattnj) Não ter o que comer, não ter o que beber, vestir. Não ter um abrigo. Não poder trabalhar. São tantos e tão sérios os problemas que ainda não conseguimos superar, que devemos — sempre — pedir forças a Jesus Cristo. Somente Ele, consegue renovar a nossa esperança.
Por isso, nestes momentos, é fácil ceder ao desespero, ao medo ou à desilusão. Mas é precisamente em tempos de desafio que nossa fé é testada e chamada a brilhar com maior intensidade.
A Sagrada Escritura nos oferece orientação em tempos de incerteza. “Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia” (Salmo 46,1). Isso nos convida a encontrar força e consolo na presença divina, sabendo que não estamos sozinhos em nossas lutas. E somos lembrados pelos Escritos Sagrados sobre a nossa responsabilidade como cidadãos também é lembrada na Sagrada Escritura. “Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus” (Rm 13,1). Isso nos recorda que, como parte da sociedade, a termos um papel importante na construção de um país mais justo e compassivo, respeitando as autoridades e trabalhando pelo bem comum.
Em meio à conjuntura nacional, devemos buscar a unidade em vez da divisão, a compreensão em vez do julgamento e a compaixão em vez da indiferença. Devemos lembrar que somos todos parte de uma grande família humana, e nosso destino está interligado.
Como cristãos, é nosso dever orar insistentemente, neste dia 7 de Setembro, pelo nosso país, por seus líderes e por todos os nossos concidadãos. Devemos ser voz para aqueles que não têm voz, promover a justiça e a solidariedade, e trabalhar juntos para superar os desafios que enfrentamos. Precisamos construir pontes e destruir os muros da intolerância, da divisão, do ódio e do fake news. Vamos espalhar solidariedade, justiça, paz e concórdia. O diferente deve ser respeitado!
Nestes tempos desafiadores, lembremos que nossa fé nos capacita a enfrentar as adversidades com esperança, coragem e amor. Ao fazermos isso, podemos ser uma luz de esperança em nossa nação, iluminando o caminho para um futuro melhor e mais harmonioso.
Lembrando este 7 de setembro, quando celebramos o Dia da Independência do Brasil, que possamos ser bons administradores da criação, cuidando da terra e uns dos outros, buscando a justiça e a compaixão, e enfrentando esses tempos difíceis com coragem e solidariedade. Que Deus conforte as famílias brasileiras e que nos guie para esse caminho de esperança e de paz. Amém.
Cardeal Orani João Tempesta – Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)