ESMOLA E CARIDADE
A Quaresma nos proporciona um caminho de renovação da vida cristã. Somos convidados a acolher a força da Palavra de Deus e comprometer-nos com os passos dados na oração, na penitência, na caridade e na fraternidade, acolhendo o apelo forte da presente Campanha da Fraternidade à amizade social, com a qual desejamos ver a todos como irmãos e irmãs, sem exceção. Só que tal renovação contempla passos a serem dados, uma gradualidade a ser respeitada, pois uma pessoa apenas iniciada na vida cristã haverá de ser acolhida e compreendida nos limites das etapas a serem percorridas. Durante esta Quaresma, várias Paróquias celebram os escrutínios com as pessoas jovens e adultas que fizeram um caminho de iniciação à vida cristã e receberão os Sacramentos da Iniciação Cristã na Vigília Pascal.
Os discípulos de Jesus percorreram pelo menos três anos no processo de amadurecimento proposto pelo Senhor, cada um deles proveniente de situações familiares e sociais diversificadas. Foi um processo vivido com intensidade, à luz do amor compreensivo do Mestre. Basta ver os doze apóstolos em suas reações diante do que Jesus realizava, as explicações necessárias, as justas repreensões e palavras consoladoras, como aquelas dirigidas a Simão Pedro: “Simão, Simão! Satanás pediu permissão para peneirar-vos, como se faz com o trigo. Eu, porém, orei por ti, para que tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos” (Lc 22,31-32). E depois da Ressurreição e Ascensão de Jesus e o Pentecostes, continuaram a caminhada da vida cristã, em busca da perfeição e da santidade, com todas as lutas e imperfeições da realidade humana.
A certa altura do caminho de formação, o Senhor conduziu seus amigos mais próximos, Pedro, Tiago e João, para rezar no alto de uma montanha (Mc 9,2-10), que a tradição localizou no Tabor, espaço maravilhoso de contemplação, que hoje recebe peregrinos de todo o mundo. A delicadeza de Jesus, mostrando-lhes sua face de glória, criou um ambiente extraordinário, com a Voz do Pai, a Nuvem da presença do Espírito, o testemunho da Lei e dos Profetas, tudo isso para que superassem o escândalo da Cruz, que se avizinhava. Impressionante o valor e o respeito de Jesus com aqueles homens tão frágeis! Retornaram à planície da vida iluminados pela luz do Tabor! Cresceram para ajudar os outros a amadurecerem na vida nova decorrente do discipulado de Cristo.
Muitas pessoas se converteram a partir de experiências dolorosas. É espontâneo pensar em São Paulo, que precisou “cair do cavalo” e ficar cego por alguns dias, ou numa lista imensa de pessoas convertidas por nós conhecidas nos tempos atuais. A graça de Deus não foi desperdiçada nesses homens e mulheres que nos emocionam com capítulos maravilhosos de sua aventura! E começaram a ser diferentes em seus critérios e comportamento, uma vida nova, pois houve uma profunda conversão!
Entretanto, podemos verificar nossa aventura pessoal. Tantos de nós receberam a graça de nascer num lar cristão, com o presente de famílias com raízes católicas consistentes. Os primeiros catequistas foram nossos pais, começando no momento em que geraram no amor a vida dos filhos. Foram nossos catequistas quando nos deram amor, quando rezaram conosco e por nós, ensinaram-nos o Sinal da Cruz, o Pai Nosso e a Ave Maria ou orações espontâneas correspondentes à nossa idade. Com eles aprendemos a respeitar e amar as pessoas, descobrimos a alegria de compartilhar as tarefas da casa, entramos na escola do perdão entre os irmãos ou com outras pessoas. Nossa família foi o primeiro espaço da oração e da convivência sadia.
A vida nova do cristão nos levou depois à Igreja, na experiência fundamental da Comunidade, onde escutamos a Palavra de Deus, entramos no caminho da Iniciação Cristã, que nos conduziu do Batismo à Eucaristia e à Crisma. Faz parte da novidade da vida cristã ser membro da Comunidade de Igreja, pois ninguém caminha sozinho.
Ser cristão, contemplando a força da Igreja que nos revela o Mistério do Senhor Jesus, pede uma mudança em nosso modo de vida. Assumimos o estilo cristão de viver: amar a Deus sobre todas as coisas, amar o próximo como a si mesmo e chegar à experiência do amor mútuo, em que uma pessoa se dispõe a dar a vida pela outra e reciprocamente.
Como vivemos tudo isso em processo de amadurecimento e crescimento, inclusive com nossas fraquezas e pecados a serem superados, será necessário fazer opções corajosas do ponto de vista moral, coerentes com o Evangelho. São Paulo o expressa de forma maravilhosa: “Precisais renovar-vos, pela transformação espiritual de vossa mente, e vestir-vos do homem novo, criado à imagem de Deus, na verdadeira justiça e santidade. Portanto, tendo vós todos rompido com a mentira, que cada um diga a verdade ao seu próximo, pois somos membros uns dos outros. Podeis irar-vos, contanto que não pequeis. Não se ponha o sol sobre vossa ira, e não deis nenhuma chance ao diabo. O que roubava não roube mais; pelo contrário, que se afadigue num trabalho manual honesto, de maneira que sempre tenha alguma coisa para dar aos necessitados. De vossa boca não saia nenhuma palavra maliciosa, mas somente palavras boas, capazes de edificar e de fazer bem aos ouvintes. Não entristeçais o Espírito Santo de Deus, com o qual fostes marcados, como por um sinal, para o dia da redenção. Desapareça do meio de vós todo amargor e exaltação, toda ira e gritaria, ultrajes e toda espécie de maldade. Pelo contrário, sede bondosos e compassivos, uns para com os outros, perdoando-vos mutuamente, como Deus vos perdoou em Cristo. Sede, pois imitadores de Deus como filhos queridos. Vivei no amor, como Cristo também nos amou e se entregou a Deus por nós como oferenda e sacrifício de suave odor. A imoralidade sexual e qualquer espécie de impureza ou cobiça nem sequer sejam mencionadas entre vós, como convém a santos. Nada de palavrões ou conversas tolas, nem de piadas de mau gosto: são coisas inconvenientes; entregai-vos, antes, à ação de graças. Pois, ficai bem certos: nenhum libertino ou impuro ou ganancioso – que é um idólatra – tem herança no reino de Cristo e de Deus” (Ef 4,23 – 5,1). Tendo vencido as tentações, como o Senhor Jesus no deserto, sua graça nos conceda este caminho de verdadeira transfiguração!
Dom Alberto Taveira Corrêa – Arcebispo de Belém do Pará (PA)