“Eu sou o nada provocando a eternidade”
(Pe. Osvaldo Chaves, 1923-2020)
Às 17h45min da quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020, recebi a seguinte mensagem de Dom José Luiz Gomes de Vasconcelos, bispo Diocesano de Sobral: “Nosso Mons. Osvaldo Chaves acaba de fazer sua Páscoa eterna. Quinze minutos depois que saí do apartamento…”. Pe. Osvaldo Carneiro Chaves faleceu na Santa Casa de Misericórdia de Sobral, onde levou conforto a tantos e foi confortado com os Sacramentos da Santa Madre Igreja.
Inúmeras manifestações se deram imediatamente, iniciando pela Diocese de Sobral, Prefeitura de Sobral em cuja nota, o Prefeito Ivo Gomes decreta Luto Oficial; a Universidade Estadual Vale do Acaraú, a Academia Sobralense de Estudos e Letras e outras entidades emitiram notas pela partida do grande Mestre.
Padre Osvaldo nasceu no sítio Angelim, distrito de Sambaíba, na cidade de Granja (CE), em 21 de outubro de 1923, filho de Manuel Alves Chaves e Maria Carneiro Chaves. Aos seis meses, foi acometido de uma paralisia infantil, ficando com atrofia da perna esquerda, situação que quase não era percebida, visto que nem mesmo o impedia de guiar a bicicleta de sua residência até a Santa Casa enquanto pôde, cena inesquecível.
A 8 de fevereiro de 1940, ingressou no Seminário São José de Sobral, onde, inclusive, foi sineiro. Desde cedo, gostava de literatura. Consta que nessa época, o Príncipe dos Poetas Cearenses, Pe. Antônio Tomaz, dedicou-lhe o soneto “Desencanto”, em resposta a outro que lhe fora oferecido pelo jovem granjense. Neste mesmo ano, Osvaldo Carneiro Chaves, aos 17 anos, compôs os versos que se tornariam o hino de sua terra natal, Granja.
Em 8 de dezembro de 1951 foi ordenado sacerdote na catedral de Sobral, por Dom José Tupinambá da Frota. Desenvolveu atividades pastorais em Crateús (1956), Acaraú (1957) e no ano de 1959 atuou em São Benedito (CE). Em todas essas cidades realizou o pastoreio religioso e lecionou, conjugando, perfeitamente, suas duas vocações: o sacerdócio e o magistério. De retorno a Sobral exerceu a capelania da Santa Casa de Misericórdia e ministrou aulas no Seminário, no Colégio Sobralense e na Faculdade de Filosofia Dom José.
Suas missas-aulas eram frequentadas por um seleto grupo. Gente que gostava da liturgia e de entender a liturgia, pois, o sacerdote dava-nos o passo-a-passo do que ocorreria e do que estava a ocorrer. Lembro-me de um encontro antes da Missa quando ele ingressava na Igreja do Abrigo e recitava uma oração. Memorizei o trecho que ele pedia para dignamente celebrar.
Seu respirar foi motivo de alegria para todos nós que o amamos. O sacerdote, professor, amigo foi o mais importante poeta cearense. E porque tudo o que é bom é raro, seus poemas eram esparsos. Alguns deles foram reunidos no livro Exíguas, publicado em 1986 e relançado em 2007. Sobral foi pátria sua. Todos os que aqui aportamos sabemos da referência cultural e religiosa do sacerdote Osvaldo Chaves.
Quando estive na presidência da Academia Sobralense de Estudos e Letras, surgindo uma vaga, acompanhado de outros colegas, fui em sua casa e perguntei se ele aceitava ser o novo acadêmico. Ele declinou do convite. Faríamos aclamação e convidaríamos o Prof. Juarez Leitão para fazer-lhe a saudação. Ele agradeceu. Então, em dia 10 de novembro de 2011, o Padre Osvaldo Carneiro Chaves que teve seu nome aprovado para Sócio-Honorário na gestão do Prof. Evaristo Linhares, no dia 14 de maio de 1996, recebeu seu Diploma de Sócio-Honorário da ASEL, em sua residência. Na oportunidade, estive acompanhado do Prof. Valdeci Vasconcelos. Quando retornei à sua casa, ele havia mandado emoldurar o diploma.
Em 9 de janeiro de 2013, em sua residência recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), justificado pelo seu relevante contributo como sacerdote, educador, poeta e mestre inconteste de sucessivas gerações de Sobral e da Região Norte do Ceará. O título de Doutor Honoris Causa foi entregue pelo então reitor, Antonio Colaço Martins.
Ao longo de sua vida recebeu inúmeras homenagens, a cidadania sobralense, ruas e escola com seu nome, entre outras.
Numa rápida leitura da dissertação de mestrado do Prof. Joan Edessom de Oliveira apresentada, em 2006, no Curso de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará, intitulada “Padre Osvaldo Carneiro Chaves: Os caminhos da Docência”, vemos um bem fundamentado texto biográfico do nosso Mestre. Cita o autor a expressão: “Nulla dies sine linea”, traduzindo do latim, “Nenhum dia sem uma linha”, dado o incentivo dele para que seus alunos escrevessem. Ainda neste precioso texto, o autor lembra que “Padre Osvaldo soube também a hora de parar”. Referia-se, evidentemente, à sala de aula. Mas, Padre Osvaldo parou, também, de ministrar sua aula eclesial, com as devidas autorizações da Diocese de Sobral, à qual serviu com honra e dignidade.
Em 2018, sem contar com a presença do Mestre-Poeta Padre Osvaldo Chaves, foi lançada uma coletânea de seus sermões. O livro foi coordenado por Djalma Gomes e Sérgio Carneiro, com transcrição dos sermões de José Jacó de Araújo. É uma joia rara espalhada em 240 páginas, com edição da ECOA Sobral. Logo de início o mestre dá uma breve explicação intitulada “Para não atrasar o esquecimento”. É uma página sentimental e histórica que nos remete aos primórdios de sua vocação tão bela. Os sermões são relacionados. E para quem os ouviu pessoalmente, lembra-se do início clássico: “Meus distintos irmãos e minhas distintas irmãs”… e começa sua catequese que se concluía com o ato de fé, a oração do credo.
Ao final do livro, o amigo Clodoveu Arruda, lembra da expressão “Imagine”, tão presente na coloquialidade do Mestre Osvaldo Chaves.
Em seu Exíguas, Padre Osvaldo define sua vocação: “Sou sacerdote, deixem-me passar!/ Levo nas mãos de apóstolo e de Deus/ As forças eternizadoras do óleo que é poder/ Para a perpetuação de tudo o que tocar!”
Neste trabalho que seu discípulo Juarez Leitão me falou da dificuldade para conseguir “arrancar” os poemas do Mestre, Padre Osvaldo diz: “Quando eu morrer, vai lá, olha os meus restos,/ Apenas com saudade:/ Uma saudade breve,/ Com a duração das rosas”. Ousando contrariar o Mestre, penso que sua memória será eterna e a saudade acompanhará aqueles que o amam. Sobral e o Ceará perdem um dos homens mais cultos. A Igreja de Sobral perde um de seus mais valorosos sacerdotes. Mas, dizem que os poetas são eternos e o sacerdote nos aproxima da eternidade, então, é momento de eternidade, de saudade, mas, também, de agradecimento por todo o bem que ele nos fez!
Padre Osvaldo foi velado na Capela do Abrigo Coração de Jesus, em Sobral e, a seu pedido, foi sepultado em Granja que ele cantou em prosa e em verso: “Boa terra,/ Minha musa criança é hoje um hino/ De gratidão a ti:/ Granja dos carnaubais, Granja de São José,/ Foi no teu seio que eu primeiro/ Amei a terra, reconheci a Raça e exercitei a Fé”.
Por José Luís Lira – Diretor do Museu Dom José, especialmente para o Correio da Semana