“Fala com sabedoria”, preciosa indicação da literatura sapiencial na tradição da Sagrada Escritura, é uma arte espiritual e humana que requer dedicação à sua aprendizagem. Uma expressão que inspira, especialmente, o caminho quaresmal deste ano com a Campanha da Fraternidade 2022, de tema Fraternidade e Educação.  A aprendizagem necessária para se falar com sabedoria pede investimento no adequado uso da palavra, que não deve ser empregada para agressões. A palavra é instrumento para edificar entendimentos, alargar mundividências e estabelecer diálogos. Nessa perspectiva, falar com sabedoria é um exitoso exercício que contribui com as urgentes reconstruções essenciais a este tempo, particularmente para a imediata superação de conflitos, pequenos ou grandes, que desencadeiam guerras, multiplicam vítimas e produzem destruições.
O ato de expressar algo – na manifestação de um juízo, de uma escolha ou na formulação de mensagens – tem força interpelante. Apesar disso, pouco se avalia sobre as consequências das palavras propagadas. Falar com sabedoria é determinante nos processos de interpretação e nos juízos que definem rumos. Por isso mesmo, não se pode “falar por falar”, ou se expressar para gerar agressões, agindo na contramão da meta de se buscar soluções para os problemas. Há, pois, a necessidade de mudar mentalidades, a partir das contribuições do campo educacional, que é capaz de promover a reorientação da vida humana, a revisão de atitudes, levando ao desenvolvimento integral. A importância capital da educação leva a Igreja Católica, por meio da Campanha da Fraternidade, pela terceira vez, a ocupar-se de tema tão determinante na vida da sociedade: mesmo considerando avanços e conquistas, são necessários passos mais decisivos e abrangentes na busca por uma educação integral e de qualidade.
Sem investimentos na educação a sociedade convive com atrasos de toda ordem. Permanecem à margem de processos educativos diferentes pessoas, por causa de várias carências, a exemplo da falta de investimentos. Ora, a educação é urgente e prioritária, de modo similar ao direito à alimentação, essencial à sobrevivência. Oportuno sublinhar: a educação ultrapassa o importante sentido e propósito de uma aprendizagem estritamente técnica, em vista de exercícios profissionais. Trata-se de um processo mais abrangente, relacionado ao cultivo da sabedoria que é essencial à construção da paz, a partir de um adequado exercício da cidadania. E a paz torna-se mais forte em uma sociedade que enfrenta as desigualdades, as discriminações e as exclusões. O ato educativo integral é, pois, aquele que incide sobre todo o viver humano, capacitando as pessoas para conviverem umas com as outras, respeitando as diferenças, compreendendo-as como riquezas. Envolve, assim, o desenvolvimento da capacidade para respeitar e promover os direitos humanos.
Desse modo, fala com sabedoria quem se faz aprendiz, inscrevendo-se em completos processos educativos, com propriedades para promover compreensões e intuições essenciais ao equilíbrio da sociedade nos parâmetros da justiça e da paz. Colocar-se na condição de aprendiz, sempre, é atitude determinante, pois somente quem se faz discípulo pode alcançar a meta de falar com sabedoria. Quem se faz discípulo busca, permanentemente, capacitar-se para promover correções a partir da força da palavra – modificando conceitos, dando rumos novos à realidade. Para isso, deve-se reconhecer que educar é um ato de amor. Trata-se de ajudar cada pessoa a tomar consciência sobre si e a respeito do mundo, para tornar-se instrumento de edificação da sociedade sobre os pilares da fraternidade universal.
Assim, o conhecimento técnico e científico deve desaguar pelo mesmo leito de experiências e convicções capazes de despertar a consciência cidadã, em um processo que leve à participação de todos na obra da criação de Deus. A qualidade da educação estará sempre vinculada ao desenvolvimento da competência para se falar com sabedoria. Essa qualidade vai além dos parâmetros próprios da razão, em sua luminosidade específica. Contempla o desenvolvimento da competência humana de interagir, gerar e fortalecer vínculos, tecendo relacionamentos que possam sustentar o sentido da vida, emoldurado pela solidariedade. Essa competência garante relações que respeitam autonomias e liberdades, contribuindo para promover mais harmonia entre indivíduos, povos e nações. Os investimentos em qualificados processos educativos estão intrinsecamente vinculados ao desenvolvimento da arte de se falar com sabedoria, dando sabor à vida pelas dinâmicas que promovam a dignidade humana. Educar e ser educado, eis o permanente desafio: falar com sabedoria.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

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