Imagens e sons configuram a memória – alicerce de experiências, armazém de valores e princípios que sustentam a vida; articulam as conexões que configuram o tecido ético-moral indispensável no exercício da cidadania. Com imagens e sons o mundo se faz e se refaz, recompõe-se e, também, lamentavelmente, se deteriora. Particularmente, a contemporaneidade se estreita entre os binários das imagens e dos sons de cada dia. As ciências especializadas e seus pesquisadores alertam sobre as perdas e os riscos provocados pela forma de se relacionar com as imagens e os sons do dia a dia – que sustentam ou abalam experiências. Uma singularidade interessante no complexo âmbito das imagens é o afã na produção de fotos. Observa-se que a facilidade tecnológica faz de todo mundo um fotógrafo. Muitos se posicionam atrás da câmera para registrar determinados momentos. E ao se dedicarem à captação da foto, perdem a essência do importante registro a ser feito pela memória, fundamental para subsidiar experiências determinantes.
É preciso analisar e calcular as perdas quando não se vive experiências e, consequentemente, deixa-se de apreender imagens nas sinapses cerebrais, por priorizar a tarefa de fotografar. Com foco na câmera, o olhar pode não fazer o giro experiencial que provoca novos entendimentos, com incidências nas emoções, capazes de qualificar as relações humanas. Quando busca somente fotografar, o ser humano faz registros, mas arrisca-se a perder a oportunidade de viver importantes experiências. E os prejuízos, naturalmente, são muitos, pois a privação da competência contemplativa, indispensável a todo processo de constituição da interioridade, leva à perda da qualidade de vida.
A rica e complexa teia das imagens de cada dia requer contemplação. Do contrário, a vida passa a ser vivida “do lado de fora”, sem alicerces interiores, o que constitui o risco suicida da desconexão com a realidade – certamente, uma das razões do crescimento de índices sobre as desistências de se viver. Outra consequência é a primazia de certa superficialidade, quando se faz ainda mais necessária uma sólida aptidão humana para lidar com os muitos desafios contemporâneos. A contemplação é, pois, indispensável para se alcançar as riquezas conduzidas pelas imagens de cada dia.
Faz-se necessário aprender a contemplar para que as incalculáveis imagens de cada dia, nos muitos cenários que compõem a jornada da humanidade, se desdobrem em sabedoria de vida, na competência para discernimentos e na produção do sentido que alimenta o viver. No educativo e amplo horizonte da ecologia integral, com indicações para o civilizado tratamento da Casa Comum, está incluída a orientação de reconhecer a Criação na beleza singular da natureza – o desenvolvimento de um olhar contemplativo. Trata-se de oportunidade para se qualificar na arte que produz sentido para amar e viver. Inscreve-se também na dinâmica dessa contemplação a aprendizagem para lidar com sons – ouvi-los e produzi-los. Preocupante é a patológica produção de barulhos que, certamente, escondem, ou ao menos disfarçam, ansiedades e angústias. Geram certas ilusões, a partir de sensações, mas são incapazes de superar o vazio existencial.
O mundo contemporâneo é palco de muitos sons que, na verdade, são barulhos, causam perturbação e são sinais de pouca civilidade. Esses ruídos muitas vezes atrapalham o encontro de verdades que só se revelam no indispensável silêncio para o exercício da escuta. A humildade na avaliação pessoal e familiar, também na vida em sociedade, permite calcular os comprometimentos resultantes dos equívocos nas formas de lidar com imagens e sons. Ver muito e enxergar pouco, conviver com poluição sonora e ser incapaz de escutar são consequências.
Essa inadequada relação com sons e imagens contribui para consolidar indiferenças diante de graves situações, a exemplo de cenários em que pessoas esbanjam os bens, têm demais, e até por isso adoecem, enquanto tantas outras, feridas em sua dignidade, vivem de migalhas. A incapacidade para lidar com imagens e sons ajuda a perpetuar, desse modo, injustiças sociais e desigualdades. Por tudo isso, vale investir na aprendizagem da contemplação, importante caminho na qualificação humana, espiritual e cidadã.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte – Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB)

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