Na arte da política
A arte da política, em razão de sua importância para a humanidade, consolidou-se como uma ciência. Estudos sobre a temática da política constituem horizonte largo e inspirador, fortalecendo um relevante campo do saber humano. Outras disciplinas, a exemplo da filosofia, da antropologia e da sociologia, também se dedicam à arte da política, comprovando a sua relevância na configuração do bem comum. Sendo uma arte, a política pede investimentos de seus agentes na sua aprendizagem, pois exercê-la inadequadamente pode ter consequências desastrosas para a sociedade, com incidências graves na vida cidadã. Prejuízos civilizatórios que causam erosões na convivência humana, com atrasos que produzem consideráveis perdas. Oportuno é lembrar que a arte política não se esgota, absolutamente, na possibilidade garantida pela liberdade cidadã, em se cumprindo pré-requisitos legislativos, de sufragar o próprio nome em um pleito eleitoral. Torna-se, pois, necessário refletir sobre o envolvimento de todos, imprescindível, com a política na contemporaneidade.
Por isso, é interessante considerar a política como arte da tergiversação, isto é, exercício de altercações e entendimentos que podem produzir iluminações capazes de propor rumos novos, arquitetar respostas para problemas. Um exercício que possibilita também contribuir para o inegociável respeito a princípios e valores fundamentais. A dedicação à política precisa guardar a grandeza e a envergadura necessárias para qualificar o tecido da cidadania. Ao invés disso, observa-se deteriorações muito perigosas. Dentre elas, está a engenharia de mentiras para arquitetar convencimentos, misturando valores nobres com contravalores. Essas mentiras são disseminadas especialmente no ambiente digital, com consequências altamente nocivas ao bem da sociedade.
Percebe-se a perversão de se pretender conquistar consenso e anuências pelo caminho da difamação gratuita, não raramente mentirosa. Muitos investem nesse caminho buscando encobrir o próprio limite. As narrativas no âmbito da política tornam-se perigosas porque frequentemente são perversas. Um nível tal de perversidade que faz valer, tão simplesmente, o propósito de vencer a qualquer custo. Para alcançar a vitória a qualquer preço, são promovidas inadequadas misturas, rifados critérios intocáveis no âmbito do relacionamento humano, constituindo uma verdadeira babel de acusações e estremecimentos. Ao palco da política é levado o que acirra confusões apaixonadas e pouco racionais. As crescentes irracionalidades são responsáveis por perdas de todo tipo, muitas irreparáveis.
A influência do exercício da política na sociedade merece atenção especial dos agentes políticos sob pena de se tornarem os grandes promotores de radicalizações, responsáveis por erodir o tecido civilizatório da sociedade. Os extremismos praticados no período eleitoral deixam profundas marcas que não se cicatrizam, simplesmente, após a apuração das urnas. Essas marcas atrasam a solução de problemas. São, pois, necessários paradigmas inspiradores de cidadania, construídos a partir da arte de se fazer política. Esses paradigmas ultrapassam limites próprios do universo partidário. São essenciais à constituição da “política melhor”, a serviço do bem.
Eis uma fundamental tarefa cristã: levar à prática política os parâmetros da “política melhor”, bem apresentados pelo Papa Francisco, no capítulo 5º da Carta Encíclica Fratelli Tutti. Entre outras indicações, é preciso lembrar que a “política melhor” guarda o compromisso de cumprir uma tarefa educativa, pelo desenvolvimento de hábitos solidários, da capacidade de pensar a vida humana de forma mais integral. Essa tarefa educativa precisa reconhecer a necessidade de se cultivar a profundidade espiritual, importante também para a promoção de qualificadas relações sociais. Uma qualificação capaz de preparar a sociedade para reagir às injustiças, às aberrações e aos abusos de poderes econômicos, tecnológicos, políticos e midiáticos. Trabalhar pela “política melhor” não é, assim, tarefa de única pessoa. Precisa envolver a sociedade e suas instituições, fortalecidas a partir da identidade e da missão de cada uma. A arte da política não pode admitir mediocridades, sob pena de sacrificar o bem comum.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte – Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)