O CARRASCO DE LAMPIÃO
Lucas Monteiro Barbosa – seminaristalucas18@gmail.com
Oitenta e três anos se passaram desde a morte de Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros do bando do icônico bandoleiro, mas os questionamentos sobre a versão mais contada da morte de Virgolino Ferreira da Silva ainda reverberam pelo imaginário popular. Vez por outra, uma nova obra é publicada dedicando-se a sanar tais questionamentos. Em seu mais recente livro, Apagando o Lampião; vida e morte do Rei do cangaço, Frederico Pernambucano de Mello, uma das maiores autoridades no tema, apresenta a mesma constatação ratificada por outros ilustres pesquisadores, como o saudoso Antônio Amaury em Assim morreu Lampião. Mas dessa vez, Frederico Pernambucano traz a história de um ângulo diferente: o do verdadeiro autor do tiro que vitimou o Rei do cangaço.
27 de julho de 1938. Em uma grota da fazenda Angico, na zona rural do município de Porto da Folha – SE, às margens do Rio São Francisco, Lampião é avisado por coiteros, que as volantes do tenente João Bezerra e do sargento Aniceto Rodrigues, ali próximos, do outro lado do rio, no município de Piranhas, em territórios alagoanos, rumaram para Pedra de Delmiro atrás dos cangaceiros. Lampião e seu bando poderiam dormir à vontade. Mas era tudo estratégia da polícia. Na noite do dia anterior, o vaqueiro Joca Bernardes denunciara o coitero Pedro de Cândido ao sargento Aniceto. Joca não sabia o local exato do coito, mas Pedro certamente o sabia. Entre o local de onde partira o contingente e o rancho onde os cangaceiros, em número de trinta e seis, estavam, um pouco mais de um quilômetro deveriam ser encarados pela volante. Sob um sereno fino, a tropa marcha vagarosa e silenciosamente para não alarmar os bandidos. À frente iam Pedro de Cândido e seu irmão, Durval, guiando a volante. Aos primeiros raios de sol, no dia 28 de julho, a polícia já estava em cima dos cangaceiros, que aos poucos acordavam e conversavam entre si. João Bezerra divide a tropa em quatro grupos.
Sob a mira do aspirante Francisco Ferreira, Lampião tomava café. O aspirante assumira posição para disparar o primeiro tiro, mas portava uma metralhadora modelo Bergman, inapropriada para um tiro certeiro, como o fazem os atiradores de elite. Além do mais, Francisco Ferreira tomara uns tragos a mais de água ardente e estava visivelmente alterado. Ordena então que o soldado Santo desse o tiro inaugural da investida. Sebastião Vieira Sandes, o Santo, conhecia bem Lampião, mais do que qualquer outro soldado ali. Fora seu coitero e amigo até meados de 1936, quando o rapaz fora pego pela volante e só tinha uma alternativa para não morrer: se alistar à polícia e perseguir cangaceiros. O rapaz mira em Lampião e executa o tiro. Do outro lado do cerco, o cangaceiro Amoroso buscava água em um pequeno poço natural. À sua frente estava o soldado Abdon, que facilmente poderia ser percebido pelo cangaceiro. Abdon pensa em atirar, mas se o fizesse, descumpriria as ordens dos superiores e poria em risco toda a operação. Sua salvação fora o tiro de Santo, ao qual fora quase que simultaneamente respondido por Abdon, mas este errara o alvo.
Após os dois primeiros tiros, quase que simultâneos, um silêncio sepulcral domina toda a grota. Lampião caíra morto com um tiro na região umbilical esquerda. O tiro, disparado por Santo, ainda bate no punhal que cingia a cintura do Rei do cangaço. O silêncio durou cerca de dez segundos e fora seguido pelo tiroteio, que ribombou por quase vinte minutos. Ao fim do confronto, onze cangaceiros mortos. Os demais conseguiram fugir. Pelo lado da polícia, apenas uma baixa, o soldado Adrião. As cabeças dos cangaceiros mortos são cortadas, como uma espécie de troféu macabro para a polícia, além dos despojos dos cabras. A volante é recebida em Piranhas com festa e fogos de artifício. De Piranhas, as cabeças rumam à capital, Maceió, em um cortejo celebrado em cada cidade por onde passavam.
Por muitos anos, o soldado Antônio Honorato assumira a autoria do tiro que matara Lampião, e isso fora aceito por muitos anos, mas até seus companheiros desconfiavam de sua versão. O verdadeiro autor, Santo, se manteve calado por décadas, até que, já no fim de sua vida, decidira contar sua versão ao célebre pesquisador Frederico Pernambucano. Ainda consternado, o ex-volante salienta que matara o Capitão não por querer, mas por obrigação. Por essa razão, Santo escondera a verdadeira história. Não se preocupou com fama. Havia matado um amigo, um padrinho, não tinha do que se orgulhar. Embora chocante e sóbrio, o depoimento de Santo, por si só, não fora o bastante para se chegar à constatação. Frederico Pernambucano levou em consideração muitos testes e comparações para, em fim, levar a público o verdadeiro carrasco de Lampião.