Lucas Monteiro Barbosa
seminaristalucas18@gmail.com
Apesar de o cangaceiro receber este nome em alusão a seu vestuário, dado o fato de que se vestia qual um animal de transporte carregando uma porção de utensílios na canga que lhe era imposta, a indumentária dos bandoleiros das caatingas nunca tinha sido ostentada como uma farda exótica e imponente como nos tempos de Lampião, que resignificou os paramentos que identificavam o cangaceiro, de tal modo que era imitado até mesmo pela polícia que o perseguia, a volante. Na verdade, até a década de 1920, o cangaceiro quase não se diferenciava, em vestimentas, de um sertanejo comum. Isso mudou no “reinado” de Lampião. A estética do cangaço é um dos assuntos mais analisados por historiadores e curiosos que, ao se facearem com esta estética, percebem a singularidade do fenômeno, sobretudo a partir do Rei do cangaço, como um elemento imprescindível na historia mundial, uma vez que a fama e a moda dos cangaceiros ultrapassaram os limites do Brasil.
Virgulino Ferreira da Silva, antes de entrar para o cangaço e se tornar a figura mais proeminente deste fenômeno, vivera como um nordestino comum à época. Com seus pais e junto aos irmãos, aprendera o ofício de almocreve, vaqueiro, artesão, dentre outros. Confeccionando, bordando e costurando utensílios de couro, o jovem oriundo de Vila Bela, atualmente Serra Talhada – PE, aprendera muitas técnicas na lida diária que serviram também em sua vida errante como cangaceiro. Em 1922, após receber a chefia do bando do qual era membro, das mãos de Sinhô Pereira, o jovem de vinte e quatro anos, já com o epíteto de Lampião, passara, em pouco tempo, a ser uma das principais notícias dos jornais de todo Brasil. Já na década de 1930, quando as mulheres passaram a integrar os bandos, o vestuário dos cancagaceiros passou a ser uma das principais características do grupo. Nesta análise, o que complementa a curiosidade, é o fato de que o próprio Lampião era um dos principais confeccionistas desta estética, tendo, inclusive, traços de estilista. Isso tudo, sem desdouro à masculinidade do Rei do cangaço.
Do chapéu à alpercata, o cangaceiro era um tipo único de bandido. Usava e abusava das cores, sobretudo nos embornais. No chapéu, usava símbolos religiosos, moedas ou adornos diversos, e até nas bandoleiras dos fuzis com enfeites de metal ou moedas. Nos dedos, ostentavam opulência com anéis de ouro ou outros metais preciosos, às vezes com mais de um anel em um único dedo. O cangaço passou a viver o que o professor Luciano Bonfim intitula de “apoteose da estética do cangaço” (BONFIM, Luciano. 2018, p. 49). Lampião tão logo propalou a moda entre os chefes de seus subgrupos. Não obstante, cada cangaceiro tinha sua particularidade nos símbolos, nenhum repetia o que o outro usava como símbolo no chapéu. O próprio Lampião era visto, comumente, com “a mão na massa”, utilizando uma máquina de costura portátil modelo Singer para bordar os chapéus, bornais e toda a indumentária de seus “cabras”.
A estética do cangaço, sem dúvida, ajudou na construção do imaginário popular sobre este fenômeno único no mundo inteiro. Este senso estético do cangaceiro, misturando beleza exótica, a arte genuinamente do Nordeste e o misticismo, é fruto de uma tradição já há muito consolidada entre os sertanejos. O cangaço, portanto, é expressão e produto de uma conjuntura de elementos exclusivamente nordestinos. Apesar de o cangaço em seu tempo ter sido, irrefutavelmente, uma contravenção às leis, embora não se definindo, exclusiva e meramente, do ponto de vista criminal, é hoje parte da cultura nordestina que, tendo na estética um símbolo concreto do cangaço, e de certa forma o traduzindo, elencou o cangaço, expresso em Lampião, como um dos itens mais ilustres da história e, por conseguinte, da cultura do Nordeste.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *