Padre Cícero e Maria de Araújo: justiça e reparação
Tal como já foi citado no editorial da edição passada, a abertura do processo de beatificação do Padre Cícero Romão Batista é um marco na abertura de novos horizontes na grande epopéia da questão religiosa de Juazeiro do Norte. Para milhões de pessoas que esperavam ansiosas por essa notícia, o Papa Francisco fez um gesto de justiça e reconhecimento da parte da Igreja para com o sacerdote cearense.
Tal fato reflete profundamente a eclesiologia que vem sendo construída por Francisco. A Igreja como instituição divina, mas formada por homens, vem reconhecendo muitos de seus erros do passado, pedindo perdão e voltando um olhar de misericórdia e acolhimento para realidades diversas do mundo atual.
Assim, o início do processo de beatificação do Padim Ciço soa como um pedido de perdão às injustiças, perseguições e falsos testemunhos levantados contra a figura do Conselheiro do Nordeste. O certo é que após o milagre da hóstia, ocorrido no dia 01 de março de 1889, quando a hóstia tranformou-se em sangue na boca de Maria de Araújo, iniciou-se uma longa história de más incompreensões e sofrimentos na vida do padre e da pobre beata.
A partir do fato, iniciaram-se as romarias a Juazeiro do Norte, com um número crescente de peregrinos, ao mesmo tempo que se espalhava a fama do Padre Cícero, como santo, conselheiro, apaziguador de conflitos, e como aquele que matava a fome material e espiritual daquele povo abatido e faminto, tal como ovelhas sem pastor.
A beata Maria de Araújo também sofreu graves consequências pelo milagre ocorrido. Desacreditada e tida como embusteira, Maria de Araújo faleceu com esse estigma de que tinha forjado um milagre. Até mesmo seus restos mortais foram violados e até hoje não se sabe onde está sepultado seu corpo.
Segundo o grande biógrafo do Padre Cícero, o escritor cearense Lira Neto, o processo de beatificação do Padre Cícero deve também ser acompanhado de um resgate e reabilitação da memória da Beata Maria de Araújo. Diferente de outros milagres eucarísticos ocorridos na Europa, o milagre eucarístico ocorrido no sertão nordestino não foi reconhecido pela Igreja.
Além disso, para o escritor, Maria de Araújo, por ser mulher, pobre, sertaneja, negra e analfabeta, acabou sendo vítima de uma tentativa etnocêntrica de apagamento histórico. Estudos recentes de biógrafos que se dedicaram a ela mostram sua santidade e grande mística que permearam sua vida espiritual. Por isso, sua memória precisa de uma reparação histórica, juntamente com todo o processo que, a partir de agora, vai se desenrolar com o Padre Cícero.
O tempo do Papa Francisco tem sido um tempo de muitas alegrias e esperanças para a Igreja Católica. A justiça que foi feita ao Padre Cícero desde sua reconciliação, quando foi reconhecido como um modelo da nova evangelização, traz esperança de que a beata Maria de Araújo não seja esquecida e apagada da história.