por Ary Albuquerque
A Caderneta
Antigamente, não existia celular. As anotações de telefones e endereços eram feitas em cadernetas. Possuí dezenas. As duas últimas, guardo-as para uma recorrência extra e, também, como relíquias. Ontem, por acaso, peguei uma delas, e, por curiosidade, folheei a mais velha. Capa de couro azul, um primor de caderneta. Levei mais de hora a consultá-la. Ia parando em cada nome e refletindo.
A vida nos oferece um mosaico colorido e diversificado em relação aos nossos amigos. Dificilmente, mantemos, durante nossa vida, os mesmos grupos de pessoas no circulo de amizade. É um acontecimento natural. A labuta do dia a dia é dinâmica, obriga a cada qual partir em busca do nosso destino.
Mas, o mais triste é constatar que muitos dos consultados estão privados do nosso convívio.
Ao passar cada folha encontrei amigos que não pertencem mais a este mundo de meu Deus.
Dolorosa constatação! Ninguém nasceu para viver eternamente, essa premissa é cruel, entretanto, verdadeira. Paciência!
Estão anotados nas cadernetas os telefones e endereços de amigos de vários matizes: de infância, colégio, faculdade, de associações comerciais e literárias, de negócios, viagens, trabalho, parentes, amigos, de sair para drincar e jogar conversa fora.
Pois, bem, uma legião enorme dessas pessoas não existem mais.
Foram-se para a eternidade, deixando somente as saudades e as lembranças de suas vozes, semblantes, risos, e, outras particularidades inerentes ao ser humano.
Confesso, entretanto, que quando cheguei ao fim da tarefa estava com lágrimas nos olhos.
Busquei, temporariamente, na memória o perfil de cada um, pois, tivemos bons momentos juntos de alegria e prazer.
Uns eram extrovertidos, com risos fáceis, gaiatos, animados. Outros, comedidos no falar, mas, sábios nas suas sentenças.
Cada um possuía uma particularidade singular.
Baixos, altos, rotundos, magros, loiros, morenos e, até de cor, todos, indistintamente, considerados excelentes companheiros.
Foi um momento de saudade folhear a velha caderneta. Terminada a jornada, guardei-a no lugar de sempre.
Não vou descartar os meus amigos assim, de uma maneira qualquer. Prefiro mantê-los vivos, pelo menos na minha velha caderneta e, em meu coração…

