Ary Albuquerque

A CRUZ DE CADA UM

Isidoro era um poço de lamentações. Nada o satisfazia. Rico, bem-apessoado, cheio de pretendentes, mas vivia a reclamar dos mínimos detalhes que aconteciam no seu dia a dia.
O pai lhe oferecera um lugar na firma de importação e exportação. Recusara. Terminara “Direito”, mas não exercia a profissão.
Já completara trinta anos e não sabia o que queria da vida. Achava que a sua cruz pesava muito. Comparava-se com amigos e tinha essa impressão. Não se sabe a razão, mas possuía esse pensamento que o atormentava bastante.
Uma certa manhã resolveu passear pelo jardim da bela mansão onde morava. Encontrou o jardineiro Messias a capinar a grama. Messias o viu nascer, pois, trabalhava desde molecote com sua família. Parou. Olhou. Notou que Messias cantava satisfeito, como se tivesse toda a riqueza do mundo.
Perguntou-se: “Por que esse homem está tão feliz se trabalha como jardineiro há mais de quarenta anos e não passa de jardineiro? Será que não possui ambições? O que ele pensa da vida?”
Resolveu ir até ele e bater um papo, saber por que tanta felicidade. Foi. Chegando junto falou:
— Bom dia, “seu” Messias, como vai?
— Vou bem, obrigado. E o doutor Isidoro, como vai? Há quanto tempo não vejo o senhor, andava viajando?
Isidoro chegou mais perto e respondeu:
— Por aqui mesmo.
Messias notou um ar de preocupação no semblante do jovem patrãozinho e, deitando a ferramenta no chão, ficou a escutar Isidoro.
Esse, chegou mais perto rindo e, de chofre, perguntou:
– O senhor está satisfeito com essa sua vida de jardineiro? Não é uma cruz muito pesada para sua idade?
Messias tinha completado sessenta anos de idade, dos quais quarenta e cinco trabalhado com a família de Isidoro. Ele olhou em volta do imenso jardim que cultivava. Sentiu o perfume das rosas. Viu o grandioso gramado, sempre verde, que aguava todo santo dia, aí, levantou os olhos em direção ao seu interlocutor e,
falou:
Escolhi ser jardineiro porque gosto do que faço e, principalmente, da natureza.
Seu pai, doutor Carmelo, pagou meus estudos. Terminei o básico. Não continuei por opção minha. Ganho o suficiente para manter a família com dignidade. Meus filhos Alice e Eduardo estão terminando a Faculdade. Ela, Medicina, e ele, Engenharia. Minha esposa é funcionária pública, prestes a se aposentar. Gozamos saúde. Aprendemos a suportar os contratempos da vida com altivez e naturalidade. Cada qual tem que saber conduzir a sua cruz nessa vida – e, dizendo essas palavras, calou-se.
Isidoro ouvia com atenção desuzada as palavras de Messias. Gostou do que ouviu e estigou a falar mais:
– Explique-me esse negócio da cruz.
Messias, tranquilamente, respondeu:
– Meu patrãozinho, minha resposta é uma anedota que ouvi de meu pai, quando criança.
Imediatamente, antes que Isidoro falasse alguma coisa, começou a narrativa:
“Felismino era um homem turrão, de tudo reclamava e, de mal com a vida. Achava que a cruz de sua vida possuía mais peso que as demais. Morreu. Chegando ao céu, São Pedro foi recebê-lo à porta. Depois dos cumprimentos habituais, falou, Felismino: São Pedro, em nome de Jesus, me arranja uma cruz menos pesada do que tive na terra. A de lá me incomodava a todo instante, simplesmente horrível!
São Pedro ouviu às súplicas no novo inquilino, pediu que o acompanhasse.”
Levou-o a um galpão enorme, cheio de cruzes. Tinha todo modelo: grandes, pequenas, médias, tortas, retas; cruzes para todos os gostos.
Os olhos de Felismino encheram-se de brilho. Com um sorriso na face, disse:
— Posso escolher uma?
— Trouxe para isso, claro que pode.
Felismino passou, então, a pegar e experimentar várias. Umas incomodam as costas, outras pesavam. Algumas leves, muitas não se adaptavam à anatomia do seu corpo. Já estava cansado da experimentação, a ponto de desistir, quando avistou no canto do galpão uma solitária cruz.
Resolveu experimentá-la. Pegou. Colocou no ombro. Perfeita.
A cruz encaixou-se otimamente no seu corpo. Ficou radiante.
— Valeu a pena o pedido.
Mirou São Pedro, satisfeito, e agradeceu, dizendo:
— Obrigado, essa é perfeita. Posso perfeitamente ir à eternidade com ela.
São Pedro fez uma cara de riso e se expressou:
— Saiba que essa cruz é a mesma que lhe acompanhou a vida inteira, lá na Terra…
Daquele dia em diante, Isidoro parou de reclamar e suas atitudes diante da vida tornaram-se outras.

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