“Ser mãe é padecer no paraíso”
É exatamente com esse verso que o grande escritor e poeta maranhense Henrique Maximiano COELHO NETTO (1864 – 1934) fecha seu belíssimo poema “Ser Mãe”. Pena que nem todos atinam para o que está subliminarmente contido nessa frase.
No decorrer dos anos, essa sentença não tem recebido a atenção e a interpretação que merece ou, até mesmo, ela vem sendo assimilada de forma equivocada. Tal atitude induz muitas pessoas a conceberem o dom e os prazeres da maternidade como algo que elimina, abranda ou justifica o aspecto negativo de coisas também desagradáveis que ocorrem quando do desempenho do papel de mãe.
Dessa forma, o sofrimento proporcionado por muitas imposições machistas, o desrespeito aos direitos, as carências não satisfeitas, a não realização dos sonhos de milhares de mães, dentre outras coisas, passaram a levantar um instigante questionamento, levando a frase afirmativa de Coelho Neto para a forma interrogativa: “SER MÃE É PADECER NO PARAÍSO?”
Essa virada de pensamento começou a ser notada a partir dos anos sessenta com o início do avanço do movimento feminino. Desde então muita coisa mudou, inclusive o total direito de organizar e decidir procriar – ou não – e o momento em que queira fazer isso. Vale lembrar que antes disso o “ser mãe” era uma das obrigações precípuas da mulher, embora, muitas vezes, não lhe fosse tão oportuno e agradável. O que imperava mesmo era a quase obrigação religiosa de gerar, não obstante tivesse de “padecer no paraíso”.
Apesar de estarmos em outra época e da evolução nos costumes, a comemoração do dia das Mães continua sendo marcada pela romantização da data, reforçando o ambíguo verso de que “ser mãe é padecer no paraíso”. A glamourização do lado místico e romântico de ser mãe continua a ofuscar e a inibir de vir à tona o lado real, massacrante e, muitas vezes, frustrante do “ser mãe” na atualidade
Repare só: Hoje transcorre mais um dia das Mães, data que, para muitas delas nem há motivos para comemorar, haja vista o momento difícil que o País enfrenta. Por exemplo, que motivação têm para festejar sua data as mães que se sentem impotentes para oferecer pelo menos o essencial a seus filhos (alimentação adequada, moradia digna, lazer sadio, etc.)? Como sentir alegria, se veem muitos de seus filhos sendo consumidos pelas drogas ou se tornando vítimas da violência reinante? Como juntar os filhos e comemorar, se algumas dessas mães, de corações partidos, os estão mandando para a cadeia, numa tentativa desesperada de salvá-los da morte prematura ou visando escapar de morrer nas mãos deles?
Como comemorar seu dia aquelas mamães que, por ignorância ou de propósito, proíbem de vir ao mundo o filho já gerado? Como ter um feliz dia das Mães se muitas delas estão vendo suas filhas (também mães) serem maltratadas e até assassinadas? Como comemorar a data, se muitas mães já perderam a esperança de resolver todos esses problemas; se não têm para quem apelar, uma vez que os governos têm funcionado mais como um mau padrasto?
Consola-nos um pouco ainda observarmos mamães que recebem as mais belas, merecidas e sinceras homenagens dos filhos, algo digno de imitação. Outras há, ainda, que, apesar de não terem as mesmas desmotivações, deparam-se com algo que também massacra muito. Trata-se do sentir o valor do amor dedicado aos filhos ser equiparado ao preço de um presente, que se compra em qualquer loja. É claro que, quando se pode ofertar, um agradinho material faz parte da comemoração. Mas jamais será o essencial. Portanto, resumir toda a gratidão apenas nele, ou seja, apenas dar um presente, é subavaliar demasiadamente tudo o que uma mãe dá espontaneamente a vida inteira.
Infelizmente isso decorre do propósito mercantilista dos que transformaram em datas estritamente comerciais o Natal, dia das Mães, dos Pais, dos Namorados, das Crianças, dentre outras. Converteram-nas em ocasiões em que as pessoas são convencidas a apenas dar presentes. Só isso! É imposição da gula do comércio, que visa unicamente lucrar cada vez mais. O real significado da homenagem é deixado de lado. Mas nunca é tarde para se questionar tal malefício. Ainda é perfeitamente possível inverter essa situação, dizendo NÃO a esse propósito.
E que todos procuremos dar à comemoração do dia das Mães um caráter mais questionador, com pés fincados na realidade atual. Mesmo sem abandonar por completo os sonhos, nos quais a romantização poderá ser perfeitamente exercitada, de forma moderada. Mas desde que não venha sufocar o que realmente precise ser mais debatido e mudado.