Setembro Amarelo: precisamos falar sobre suicídio

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Desde 2003, o dia 10 de setembro é conhecido como o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. Porém, desde 1994 já existia a campanha “Setembro Amarelo”, que teve início nos Estados Unidos com os pais e amigos de Mike Emme, um jovem de 17 anos que tirou a própria vida. Mike tinha grandes habilidades para lidar com mecânica automotiva, e recuperou e pintou de amarelo um Mustang ano 1968. As habilidades levaram Mike a ficar conhecido como “Mustang Mike”. Já a fita amarela virou tradição quando os jovens amigos de Mike as prenderam na lapela, no cabelo ou no chapéu no dia do funeral do jovem, onde também distribuíram cartões com a inscrição “It’s ok to Ask4help”, que basicamente significa “não tem problema pedir ajuda”. A fita amarela lembrava a cor do Mustang de Mike, e o formato da fita em coração era para lembrar as pessoas que ele deixou. Impressionantemente, em cerca de três semanas o primeiro cartão distribuído no funeral chegou às mãos de um professor, com um pedido de socorro de uma aluna.
A história de Mike é comovente e tenho de certeza que sensibiliza a muitos, mas infelizmente no dia a dia a realidade não é bem esta, pois, o suicídio muitas vezes é alvo de preconceito e mitos, tanto por parte da população leiga quanto da comunidade médica. É preciso entender que o suicídio não é uma doença. Entretanto, na maioria das vezes, ele é o resultado de algumas doenças como o transtorno bipolar e a esquizofrenia. Entre 80% e 90% das pessoas que cometem suicídio estão sofrendo de algum tipo de transtorno do humor, ou seja, estão tão doentes como aquele paciente que teve um infarto ou um acidente vascular cerebral (AVC). Muitas vezes, o paciente psiquiátrico sofre preconceito até mesmo por médicos de outras áreas e outros profissionais da saúde, em hospitais gerais. Ironicamente os médicos fazem parte de uma das profissões que mais cometem suicídio no mundo.
Entre a população leiga o preconceito em relação ao suicídio se amplifica. A falta de empatia pelo paciente pode ser exemplificada por meio de vários casos. Em um deles, uma pessoa estava tentando tirar a própria vida saltando de uma ponte entre Vila Velha e Vitória, no Espírito Santo. O resgate levou algumas horas, e neste intervalo as pessoas se expressavam de todas as maneiras, sendo a mais frequente o pedido para que o suicida se jogasse de uma vez por todas. Algumas, inclusive, afirmaram que se dispunham a empurrá-lo. Em um certo momento iniciou-se um buzinaço, e assim por diante. Empatia é um fator importante para que exista o acolhimento do paciente psiquiátrico, e isso pode ser decisivo em momentos emergenciais. Ainda bem que no caso do Espírito Santo existia uma equipe dos bombeiros muito bem treinada, que demonstrou empatia e cuidado com o paciente, evitando o suicídio.
Podemos observar, também, o preconceito em relação a algumas populações no Brasil, como as indígenas, que chegam a ter uma prevalência de suicídio triplicada quando comparada à da população em geral. Isso demostra um descaso da sociedade em geral, do governo e das entidades responsáveis por esta população, que demonstra negligência diante de um número tão expressivo de suicídios. As campanhas de prevenção são de extrema importância para pessoas que consideram a possibilidade do suicídio, pois cada vez mais a medicina entende que isso pode ser prevenido. Entretanto, os profissionais da área da saúde precisam se atualizar e entender os novos fatores de risco para doenças mentais. Alguns estudos, por exemplo, demonstram que cyberbullyng e o tempo que se passa na internet estão relacionados a suicídio.
Algumas formas de prevenção passam por abordagens psicoterápicas e outras pelo uso de psicofármacos. Entre as abordagens psicoterápicas se destaca o CVV (Centro de Valorização da Vida), que desde 1962 exerce um grande papel na sociedade, trabalhando na prevenção do suicídio. O CVV atende 24 horas por telefone ou site, além de realizar atendimento pessoal. Quanto à questão psicofarmacológica, a maneira mais efetiva e importante de prevenção ao suicídio é o uso do lítio. Hoje, esta abordagem já é fato. Mas ela precisa ser disseminada entre médicos clínicos que atendem pacientes, principalmente nos prontos-socorros. Precisamos ter em mente a questão da recidiva das tentativas de suicídio. Muitas vezes o sofrimento psíquico não é levado com a seriedade devida. Apenas com medidas preventivas e educacionais, episódios como o que ocorreu na ponte poderão deixar de existir. E as pessoas, em vez de torcerem para que o suicida se jogue da ponte ou do alto de um edifício, terão o mínimo de empatia em relação ao sofrimento humano.
*Dr. Sivan Mauer é médico psiquiatra especialista em transtornos do humor. O profissional é mestre em pesquisa clínica pela Boston University School of Medicine, dos Estados Unidos, e doutor em Psiquiatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

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