Da inteligência luminosa e mística de Santo Agostinho, no 5º século da história bimilenar da Igreja Católica, brota rica narrativa sobre a voz e a Palavra. São ensinamentos que indicam um remédio para o vozerio, por vezes descompassado, do tempo presente, facilitado pelas redes sociais. Essa profusão de falas nem sempre traz o que gera entendimento e fraternidade. A argumentação apresentada por Santo Agostinho se refere a duas pessoas, João Batista e Jesus Cristo. O Santo diz: João era a voz, e Jesus é a Palavra desde o princípio. E acrescenta explicando que João Batista era a voz passageira. E Jesus Cristo, a Palavra eterna desde o princípio. Uma interrogação pertinente: ao suprimir a Palavra, o que se torna a voz? A voz se torna esvaziada de sentido, não passando de um simples ruído. Essa clássica intervenção do bispo de Hipona constitui trecho de um dos seus sermões, agora rezado e meditado no caminho que se percorre, tendo no horizonte a chegada do Menino-Deus, celebração do Natal. Um rico ensinamento quando se considera que a sociedade carece de entendimentos e de diálogos, de mais harmonia e assertividade na liberdade cidadã para se expressar.
Compreende-se a importância do Advento, tempo de preparação para a celebração autêntica e frutuosa do nascimento do Salvador. Um tempo consagrado como delicadeza de Deus, oportunidade para trilhar um novo caminho, pois na “babel” da contemporaneidade é ainda mais urgente a conversão, a mudança. Fala-se muito, mas pouco se constrói apenas pela disseminação de vozes sem palavras. Na verdade, corre-se o risco de prejuízos irreversíveis. A voz desvinculada da Palavra pode compor um coro de agoureiros, arma para a destruição do semelhante.  Mas como reconhecer se há Palavra em determinada voz? Santo Agostinho indica o caminho para esse reconhecimento: a voz sem palavras ressoa ao ouvido, mas não alimenta o coração.
Apenas ancorar-se no direito de usar a voz para expressar juízos, opiniões, é atitude que traz riscos. Importante é cuidar para que o direito a expressar a própria voz seja indissociável do compromisso com palavras edificantes. Trata-se de uma exigência especialmente para aqueles que estão enfileirados no seguimento de Jesus. Os cristãos devem ser voz alimentada pela Palavra de Deus e seu veículo qualificado, para que sejam capazes de alimentar corações. Não basta dizer, é preciso dedicar-se a uma comunicação que tem a meta de edificar o semelhante. Trata-se de exigência para os que seguem Jesus: dizer sempre o que edifica. O cristão não tem o direito, por princípio e fidelidade ao Mestre, de falar qualquer coisa, de modo alheio à construção de entendimentos e de diálogos. O cristão, morada do Espírito Santo – que santifica e consola – tem a tarefa de expressar o que gera lucidez e esperança a cada pessoa, ajudando, assim, a fortalecer a fraternidade, a consolidar vínculos de corresponsabilidade, para inspirar a vivência da amizade social.
Cada pessoa precisa ser voz que transmite a Palavra, com a sua propriedade de alavancar entendimentos e criar laços de irmandade. João Batista era a voz anunciando a Palavra encarnada em Jesus Cristo. A voz de João ressoou promovendo o entendimento e o acolhimento da Palavra, Jesus, o Salvador. Assim, ele cumpriu a sua missão, ajudando a proclamar a Palavra que produz sentido e alimenta a dinâmica do viver cristão. A voz tem, pois, a função de semear a Palavra, que é “luz para os pés e lâmpada luzente para o caminho”, conforme ensina o salmista. João, a voz, indica a Palavra, firmando sua condição de exemplar discípulo.
O brilho e a interpelação que vêm da voz de João Batista proporcionam o encontro com o Salvador. O precursor, João Batista, a voz, torna-se, assim, uma referência – modelo de discípulo de Jesus. Inspiração para aqueles que assumem o compromisso de proclamar a Palavra de Deus, possibilitando a outras pessoas o encontro e o seguimento de Jesus – único Senhor. Valha, especialmente na preparação para o Natal, o conselho de Santo Agostinho: todos procurem imitar João, a voz, sem confundi-la com a Palavra, pelo exercício da humildade, exemplar no precursor de Jesus, que compreendeu de onde lhe vinha a salvação. João se enxergava como uma lâmpada e temia que o vento do orgulho pudesse apagá-la. Contemplando a exemplaridade de João Batista, os cristãos celebrem o Natal do Menino-Deus procurando, humildemente, valer-se da própria voz para anunciar a Palavra.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

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