A democracia brasileira, afirma-se em consenso, é jovem. Precisa, pois, amadurecer, consolidar conquistas, deixando-se passar pelo “cadinho” da purificação e do crescimento, com o aprendizado de lições e experiências vividas. O horizonte largo e cidadão da Constituição Federal, uma conquista nesse processo de amadurecimento, parametriza compreensões e deve emoldurar escolhas, condutas, contracenando, no dia a dia, com os significados da comunidade política e do exercício da cidadania. O pleito eleitoral é importante na definição de rumos, mas constitui apenas um capítulo da vida democrática. Sozinho, esse importante capítulo não tem propriedades suficientes para consolidar uma sociedade democrática de direito. Passadas as eleições, são exigidos, daqueles que foram eleitos, desempenhos alicerçados em uma estatura cidadã que é força na promoção do bem comum. Uma atuação que se orienta, ainda, por princípios e valores essenciais à construção da fraternidade universal.
Nesse horizonte, desenha-se um compromisso cristão, que não admite relativizações: fazer valer a caridade. Aliás, a caridade, quando bem compreendida, possibilita o exercício da política de maneira nobre, isto é, a configuração da “política melhor”, que jamais negocia o bem comum. Ao invés disso, incansavelmente busca promovê-lo, a serviço da vida, em todas as suas etapas, da primeira, na concepção, até a última, no declínio com a morte natural. A defesa da vida em todas as suas etapas focaliza o tamanho da responsabilidade cidadã, especialmente dos cristãos, desafiados a articular suas diferenças para intuir novas respostas capazes de varrer a desigualdade social vergonhosa. Essa desigualdade é injustiça agravada por uma organização social e política que precisa ser corrigida.
Compreende-se ser incontestável a importância de uma estatura cidadã capaz de promover a democracia, sem permitir, por qualquer que seja a proposta ou escolha, a sua negociação e relativização. Sabe-se da importância de se compreender que a comunidade política está a serviço da sociedade civil. Concluído o pleito eleitoral, com as urnas expressando a vontade soberana do povo, é urgente fazer brilhar o primado da sociedade civil. A comunidade política e a sociedade civil são interdependentes e reciprocamente coligadas, mas não são hierarquicamente iguais, conforme ensina a Doutrina Social da Igreja Católica. Isto significa dizer que a comunidade política está essencialmente a serviço da sociedade civil. Assim, a configuração político-partidária, com a sua função de articular entendimentos e escolhas para a promoção do bem comum, não define sozinha os rumos de um Estado, da nação. Exatamente porque a sociedade civil não é simplesmente um apêndice do sistema democrático. Ela tem primazia e, por isso mesmo, exige de cidadãos o reconhecimento da sua própria importância e de sua responsabilidade.
Contribui para o reconhecimento da própria importância e responsabilidade no exercício da cidadania revisitar a educativa abordagem do apóstolo Paulo, escrevendo aos Efésios. O apóstolo focaliza a meta cristã de se alcançar a estatura de Cristo.  Trata-se de meta desafiadora, não compatível com a mediocridade de atos, narrativas e posturas comprometedoras de muitos que dizem seguir Jesus. Pedagogicamente, Paulo aponta caminhos e posturas que levam à estatura de Cristo, pois constituem regras para uma vida nova. Dentre essas regras está o abandono da mentira. Cada um deve dizer a verdade ao seu próximo, todos se considerando membros uns dos outros. Alcançar a estatura de Cristo exige o abandono de antigas condutas, o despojar-se de práticas enganadoras e perigosas. Essas exigências devem repercutir no âmbito da cidadania, para que ela seja exercida a partir de parâmetros civilizatórios inegociáveis. Assim, não serão instalados os absurdos de subjetivismos e de tiranias ideológicas massacrantes, que permitem aberrações e todo tipo de criminalidades, incluindo aquelas que se disfarçam de defesa de valores, mas na verdade são fonte de prejuízos irreparáveis.
Urgente e elementar é investir na compreensão da importância do sistema democrático, com seus incontestáveis valores e princípios civilizatórios, capazes de garantir uma ordem essencial ao desenvolvimento integral. Além do respeito às regras da democracia, é preciso promover valores que sustentem os processos democráticos, a exemplo da dignidade humana. É urgente que o conjunto de instituições a serviço da sociedade brasileira busque tecer um consenso sobre esses valores, caminho para evitar instabilidades na democracia. Esse investimento é remédio contra manipulações que geram resistências aos princípios democráticos, comprometendo especialmente os jovens.
As lições destes últimos tempos, particularmente a partir dos desdobramentos do mais recente processo eleitoral, apontam a urgência de se dedicar ao tema “estatura cidadã”, investimento necessário para o fortalecimento do sistema democrático. Trata-se, particularmente, de uma necessidade da sociedade brasileira, para que haja avanços civilizatórios. Vale examinar e investir na convicção de que o ethos da democracia, entendido, professado e vivido, pode ser de grande valia para a precisada estatura cidadã que o momento está exigindo. Nesse exame e investimento, deve-se sublinhar a responsabilidade e o papel educativo de todas as instituições. A adequada estatura cidadã de cada pessoa e o desempenho competente, sério, respeitoso da comunidade política possibilitem o encontro de um novo broto de esperança, uma luz que se acende na escuridão, fazendo a diferença na consolidação da fraternidade universal, da justiça e da paz.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *