por Ary Albuquerque
O QUASE INCÊSTO
Havia uma semana que tinha chegado a Hong Kong. A cidade o impressionou bastante.
Reconstado no gradil, vislumbrava o panorama.
Aproveitava aquela tarde de domingo para apreciar o mar e o trafegar dos barcaças que faziam o trajeto Wan Chai – Tsim Sha Tsut. O azul da água estendia-se por vários quilômetros. Marolas apareciam, somente, quando passavam as embarcações. Grandes edifícios envidraçados com seus letreiros esfuziantes margeavam a baía, evidenciando a pujança da cidade.
Encontrava-se tão absorto a olhar a paisagem que não notou a presença de uma linda jovem, ao seu lado. Num movimento involuntário roçou nos braços dela. Virou-se e falou:
– Perdoe-me, foi sem querer.
– Não foi nada, está perdoado.
Quando resolveu voltar ao hotel, olhou de lado e ainda viu-a de costas. Chamou-lhe atenção as formas esculturais do seu corpo e a elegância no andar.
Acordou cedo, tinha um compromisso comercial. Nove horas em ponto estava na porta do escritório do senhor Liu Lei. A recepcionista o atende e, educadamente, diz que ele será atendido pela senhorita Ping Weng, secretária executiva, pois o Liu Lei não veio porque sua esposa adoeceu e ele teve que deixá-la no hospital.
Quando a atendente abriu a porta da sala da Ping Weng, houve uma surpresa.
– Eu sou Ralph Collim da Companhia Importadora de Eletrônicos do Brasil,e, acrescentou – você não é a moça que rocei no braço sem querer…
– Isso mesmo, respondeu Ping Weng, com um sorriso no rosto.
A tratativa de negócio correu mais suave porque houve empatia entre os dois.
No outro dia voltou ao escritório para ter a entrevista com o dono da firma, Liu Lei. Foi um sucesso. Notou que tinha havido influência de Ping Weng. Ficou quieto. A secretária executiva tinha a pele alva, olhos azuis, um corpo de falsa magra, bem proporcional. Seu tipo era de inglesa ou americana.
Antes do primeiro embarque de mercadorias para o Brasil, Ralph e Ping Weng tiveram vários encontros de negócios, inclusive, almoços. Cada dia que passava mais se estreitavam as relações. Disser-ia que estavam apaixonados um pelo outro, mas, sem coragem, ambos, de se revelar.
Ralph tinha que passar três meses na China.
Os negócios, assim, exigiam. Fôra noivo duas vezes, tinha tido um sem número de namoradas, mas, apesar de seus quarenta anos, permanecia solteiro.
Ping Weng acabara de terminar o noivado.
Naquela noite Ralph convidou Ping Weng para jantar. Escolheu o restaurante Hutong que fica do outro lado da baía no bairro de Tsim Sha Tsui, especialista em comidas chinesas.
Durante o jantar conversaram amenidades e discorreram longamente sobre suas vidas. Na volta, Ping Weng convidou Ralph à subir ao seu apartamento, para conversar mais um pouco já no outro dia seria domingo. Aceitou. Chamou atenção de Ralph um retrato de um senhor, acompanhado de uma senhora ao lado de uma menina bonita, postado em frente ao Palácio da Alvorada, em Brasília. O retrato estava com uma rica moldura, fixado na parede principal da sala, de recepção do apartamento.
Os encontros se amiudaram. Começaram um namoro. Daí para o noivado foi um pulo.
Escolheram para troca de alianças, justamente, em frente ao Clock Tower, ponto emblemático de quem visita Hong Kong. Para eles aquele local possuía uma significação especial, foi onde tiveram o primeiro encontro.
O tempo voou e chegou o dia do casamento. Marcaram para oito da noite no apartamento de Ping Weng. Convidaram os amigos Edla Shangori, ela, nigeriana e Michael Foster, ele, Inglês.
Naquele dia Ralph acordou cedo. Lembrou-se que seu tio Oscar, tinha contado estória sobre sua mãe, em sigilo, que, precisava conferir antes de casar, para não cometer um incesto. Esbaforido, foi ao encontro da noiva. Encontrando-a, falou:
— Querida, não me leve a mal, mas, repita-me em detalhes, a estória da sua adoção?
Ping notou o rosto do noivo preocupado e, calmamente, discorreu.
Preste atenção: um senhor, de sua terra, Porto Alegre, solicitou ao embaixador Wang Hui Weng, de quem era muito amigo, que hospedasse a filha dele em Brasília.
Ela estava grávida. Ele queria que a criança nascesse fora para não manchar a honra da família. Quando nasceu, ela regressou e o embaixador resolveu adotá-la.
Para Ralph, estava confirmado. Por incrível que pareça, Ping Weng era sua irmã. Mas, antes que Ralph tomasse qualquer atitude, completou:
— Mas, espere aí, a novela não terminou.
Acalme-se. Depois de seis meses a criança faleceu. Aconteceu o imprevisível: a secretária particular do embaixador, de nacionalidade inglesa, chamada Margareth, viúva, tinha uma filha de nome Frida com dois anos de idade.
A secretária foi acometida de um câncer e pediu ao embaixador que adotasse a filha, caso morresse. E arrematou:
— Você está casando com a ex-Frida, filha da inglesa Margareth.
Ralph abriu um sorriso tamanho de um bonde e, abraçau e beijou Ping.
Só, depois, quando nasceu o primeiro filho do casal, Ralph contou à sua esposa o motivo do seu desespero horas antes do casamento.

