POUCAS E BOAS
A receita do mago magro
Como ocorre quase “religiosamente”, às vésperas do Carnaval, integrantes de algumas Escolas de Samba de Sobral voltam àquela ladainha de todo ano. E a tônica é a insatisfação com os incentivos, considerados insuficientes, as exigências da administração municipal e a liberação tardia dos valores. Alguns chegam a afirmar que esse atraso tem prejudicado sensivelmente os preparativos das agremiações. Garantem, até, que só veem a cor do dinheiro muito próximo da hora de entrar na avenida.
Atualmente cabe até o trocadilho com a inesquecível marchinha “Até quarta-feira” (Humberto Silva/Paulo Sette): “Este ano não vai ser igual àquele que passou”. Ou melhor: “… não será igual àqueles que passaram”, haja vista que carnaval, e de rua especialmente, por aqui ser coisa do passado. E para ocorrer seu renascimento muitas providências têm de ser adotadas.
Nesse enfoque, caso a prefeitura queira contribuir, é importante mencionar que isso seja feito com certa antecedência, a fim de organizar e democratizar a ajuda. Isso poderia ser feito pela Secretaria Municipal da Cultura ao lançar Edital de Credenciamento, que exige das Escolas de Samba a elaboração de projeto. E que referido edital também discrimina os pré-requisitos, os valores a serem repassados e outras condições com razoável antecedência.
Agora, vale questionada se os possíveis beneficiados terão condição de responder em tempo hábil e de forma completa às exigências contidas no Edital? Se sim, a razão da insatisfação está com eles. Se não, que continuem reivindicando melhor tratamento do Paço Municipal.
Mas há outras perguntinhas que não devem ser deixadas de lado. Acredito que elas deveriam ser constantes entre os que dirigem, integram as Escolas ou apenas apreciam o carnaval de rua local. Se cada um fizer essas indagações a si mesmo (a) acredito que poderá ser encontrada a saída para essa eterna e humilhante dependência da Prefeitura.
Perguntem-se, por exemplo: Estamos fazendo algo para adquirir e guardar fundos para o Carnaval? O que impede de isso ser feito através de promoções (festas, bingos, apresentações da Bateria e outras movimentações) no decorrer do ano? Por que não pleitear junto à Prefeitura terreno para realizar essas e outras atividades? Por que não tentar mais parcerias com empresas locais, ou de fora, e com possíveis homenageados pela escola? E, por último: como se explica carnavalescos do passado, oriundos da classe pobre, sem recursos e praticamente sem ajuda, produziam os belíssimos carnavais da Princesa do Norte?
Sabe-se que ficaram na história carnavais inesquecíveis, assim como quem os produzia e os foliões inesquecíveis. Eles tanto brilharam na avenida como nos bailes de salão. De igual forma, deram muito de si para melhorar e alegrar ainda mais o período momino neste município. E, para estimular os que fazem a festa na atualidade, sugiro como espelho apenas um deles: o inesquecível MANOEL MARINHO PEREIRA (foto). Para os que viveram aqueles carnavais de rua criativos, sadios e alegres, o final de 1989 foi de muita tristeza e marcado pela grande perda do velho magro mago.
Os foliões da época ou mesmo aqueles que apenas assistiam aos desfiles de rua têm sobejada razão para sustentar que Sobral já foi terra de grandes carnavais. Aquele ano (1989) dividiu a história dos carnavais locais em antes e depois de Marinho. E ela não será contada de maneira completa, e fazendo justiça aos que dela fizeram parte, se não for destaque principal este carnavalesco inveterado.
Nascido na Rua Menino Deus, em Sobral, no dia 18 de julho de 1911, Marinho Pereira era filho de Francisco Pereira e Maria dos Reis Pereira. Oriundo de família humilde, logo cedo ingressou na profissão de carpinteiro.
Eterno amante do carnaval, Marinho Pereira usava seu ofício para dar expansão à sua fértil imaginação. Assim, todo ano reservava grande parte do seu tempo para tornar reais suas ideias originalíssimas, diferentes e avançadas para seu tempo.
Mesmo não dispondo de recursos suficientes, nem da necessária ajuda financeira, naquele tempo Marinho Pereira conseguiu, em menor escala, é claro, mostrar para a população local o que ela hoje vê no Rio de Janeiro, através da televisão. Graças à sua notória criatividade, ficaram famosas as alegorias que produziu para blocos, como girafas, vacas, símbolos diversos e o famoso “Gavião”.
Esse mesmo trabalho Marinho Pereira deu continuidade nas escolas de samba de Sobral, das quais também participou. Além dessas interessantes alegorias que davam brilho ao carnaval local, o velho folião muitas vezes também levou para avenida várias de suas fantasias pessoais. Destacavam-se, dentre elas, o “homem de grandes tranças”, que chamava muito a atenção dos espectadores.
Apesar da pobreza com que levou a vida inteira, Marinho Pereira sentia-se realizado. Segundo ele, conseguiu concretizar seu grande sonho, que era brincar intensamente o carnaval e usar toda sua inteligência para oferecer anualmente um novo espetáculo para sua terra. O mago magro das alegorias não queria era ser velho. Ainda que tivesse de superar o peso da idade, sua satisfação era mesmo estar com os foliões nos carnavais.
Marinho Pereira era casado com dona Maria Idê, com quem teve a filha