SAUDADES DE ANTONIO OLINTO

Chega o dia de enviar a coluna para o jornal e o blog e as ideias não fluem. Este tempo que vivemos nos deixa assim. Antes alegávamos falta de tempo… Era (é?) uma correria. Hoje, muitos estamos com trabalho em casa (prefiro o português ao inglês). Os dias parecem demorar, mas, têm a mesma velocidade. Nós é que não estamos na mesma intensidade. Faz quase um ano que assim estamos, mas, parece mais tempo. A parada foi necessária. Nunca critiquei, nem criticarei, nenhuma medida nesse sentido. Lembrando o poeta Gonzaguinha, “este tempo vai passar”.
No quarto que improvisei como local de trabalho na casa dos meus pais, antes mesmo de ser o espaço destinado a isso, eu já colocava livros, revistas, enfim. E, hoje pela manhã, deparei-me com o livro “O Menino e o Trem”, de Antonio Olinto, da Academia Brasileira de Letras, diplomata, amigo querido. Esses dias ouvi uma entrevista dele para o também imortal Arnaldo Niskier. Aliás, guardo uma entrevista que ele concedeu ao irmão Ticar, Diassis Lira para o público em geral, quando Olinto esteve em Guaraciaba do Norte (2007). Entrevista concedida num quarto da casa do Monte Alegre. Vínhamos de Sobral onde o imortal foi na Universidade Estadual Vale do Acaraú, experimentou da carne de sol do Aragão e foi à Biblioteca Municipal Lustosa da Costa. Para acomodar dignamente a ele, sua assessora Beth Almeida, Bárbara e Henrique Ayres (filha e neto de Mello Mourão), os hospedamos no extinto Hotel Sol Nascente e o jantar foi no sítio Monte Alegre. Comida tradicional, forró pé-de-serra (Olinto até ensaiou uns passos) e café, com pó feito de grãos torrados em caco de barro. Foi um dia espetacular.
Depois que conheci Antonio Olinto, registrado Olyntho, mas, que ele simplificou, o inverso do que normalmente ocorre hoje, ele fez três visitas ao Ceará. N’uma veio para a Bienal do Livro (2006) quando estava com a querida Nélida Piñon; n’outra para o lançamento de meu livro sobre Gerardo Mello Moura, “A Saga de Gerardo: um Mello Mourão”, ocorrido em 26 de abril de 2007 e, finalmente, em outubro de 2008, mais especificamente dos dias 26 a 29, para lançar sua biografia, escrita por mim: “Brasileiro com alma africana: Antonio Olinto”. Na última visita, Matusahila e eu o recebemos em nossa casa, em Fortaleza, juntamente com Beth Almeida, sua assessora e quase filha.
Olinto era uma figura amável e amada pelos que o cercavam. Foi seminarista e herdou para toda a vida a religiosidade. Criança, nas Minas Gerais, teve contato com ex-escravos, agregados de família que tinham conhecimento da cultura afro. Ao chegar a Lagos, na Nigéria (Continente Africano), como adido cultural do Itamaraty, apaixonou-se pela alegria do africano, pelo profundo respeito por seus antepassados e divindades. Foi a inspiração para sua trilogia “Alma da África”. Na sua despedida, um representante tribal, ao homenageá-lo, disse que o diplomata tinha a alma negra – na tradição deles, maior elogio que se pode dar a um não-africano. Hoje me volto à enésima releitura de “O Menino e o Trem” e destaco o conto que intitula o livro e “A Palavra”, no qual ele dá vida à palavra que “tinha consciência de sua integridade verbal”. Lindo, simples, mas, sofisticado como era nosso imortal que nos acompanha da eternidade.



