Dom Odilo: “zelo apostólico é o maior legado de Bento XVI”

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Na manhã desta terça-feira (03), o segundo dia de exibição pública do corpo do Papa emérito Bento XVI, o cardeal dom Odilo Scherer conversou com a Rádio Vaticano – Vatican News. O arcebispo de São Paulo partilhou fatos relevantes da vida e do apostolado de Joseph Ratzinger.

Por Luiz Felipe Bolis – Vatican News
Ao saber da notícia do falecimento de Bento XVI, dom Odilo Pedro Scherer prontamente pegou um dos primeiros voos de 2023 partindo de São Paulo com destino a Roma/Itália. O cardeal se uniu aos corações de milhares de outros fiéis com o desejo de prestarem as últimas homenagens aquele que, antes do Papa Francisco, pôde guiar a Igreja pela fé em um memorável pontificado. Dom Odilo registra no livro da vida uma série de encontros com Joseph Ratzinger.
Na manhã desta terça-feira dom Odilo atravessou as portas da Rádio Vaticano na Piazza Pia, e concedeu uma entrevista aos jornalistas do programa brasileiro, direcionando palavras de mérito a Bento XVI e falando ao povo brasileiro.
“É um momento de pesar pelo falecimento de Bento XVI, e ao mesmo tempo um momento expressivo. A Igreja, mais uma vez, se reúne em torno do Papa emérito, e em torno da homenagem a Bento XVI com as Exéquias na quinta-feira, dia 05, presididas por Francisco”, comenta dom Odilo.
Pelo segundo dia consecutivo, continuam homenagens de peregrinos e fiéis de todo o mundo, que desde as primeiras horas desta terça-feira se colocaram em fila para entrar na Basílica de São Pedro, onde se encontram os restos mortais de Bento XVI, que faleceu na manhã do último sábado, 31 de dezembro de 2022. Crianças, jovens, adultos e pessoas idosas, leigos e religiosos, que homenageiam os restos do Papa Emérito até quarta-feira à noite. Na quinta-feira de manhã (05), as Exéquias são presididas pelo Papa Francisco.

Legado
Nos estúdios da Rádio Vaticano, o arcebispo de São Paulo sublinha: “de fato, é difícil falar em poucas palavras qual é o legado do Papa Bento XVI, mas eu tentei algumas vezes pensar: qual seria o legado de Bento XVI? Ele é um Papa teólogo, sim, vai ficar para a posteridade. Eu tenho certeza que os escritos teológicos do Papa Bento XVI, interpretando a fé católica e o que é cristão, vão ficar como referência para o futuro como um grande teólogo, antes e depois de ser Papa, com a sua maneira agradável e profunda de expressar as verdades da fé. Os escritos encantavam aqueles que liam e encantam hoje aqueles que tocam com as mãos os seus pensamentos. Isso vai ficar, mas o maior legado de Bento XVI, sem dúvida, é o seu zelo apostólico, o seu zelo pela Igreja, o seu zelo pela fé do povo. Isso não dá pra quantificar, como a gente gostaria, mas a sua dedicação em manter o povo na verdadeira fé, manter o povo unido na Igreja e uma verdadeira atitude de diálogo e, ao mesmo tempo, de uma forte identidade católica vai ficar como legado para o futuro”.

O Papa da humildade
“Aquilo que fez sofrer muito Bento XVI foram os problemas que estouraram, digamos assim, em suas mãos, enquanto ele foi Pontífice. Mas ele enfrentou, com coragem, lucidez e decisão, os problemas morais no meio do Clero, para falar muito claro, e por outro lado, também problemas administrativos na Santa Sé. Bento XVI quis clareza, quis transparência e quis também correção desses males, tanto que quando ele se tornou Papa teve que tomar medidas muito drásticas em relação a casos de pedofilia. Creio que tudo isso vai ficar como legado de atitudes que nem sempre foram compreendidas no momento em que o Papa Bento XVI as tomou, tanto que elas caíram no colo dele. Esses problemas também o atingiram a ponto de esgotar as suas forças, e dele dizer: ‘eu não consigo mais, escolham outro Papa’. Mas essas atitudes ficarão como referência, e o tempo irá julgar com olhos diferentes de hoje, que muito em cima da realidade não conseguimos julgar adequadamente”, frisou dom Odilo Pedro Scherer.
O arcebispo acrescentou ainda: “eu tinha acabado de chegar a Roma no dia 11 de fevereiro de 2013, quando o Papa anunciou a sua renúncia e, claro, todo mundo foi tomado de surpresa, e as reações foram as mais diversas possíveis. Interiormente, eu imediatamente admirei a atitude de Bento XVI, – continua dom Odilo -, como um gesto de grande coragem, lucidez e depois um gesto também de desapego do Papa a essa função que pode concentrar muitas vaidades. Um cargo, o de Papa, é único, e coloca sempre no topo, na visibilidade. Bento renunciou a isso tudo, e claro, renunciou ao poder, à visibilidade, ao direito e ao poder de tomar decisões na Igreja em última instância, renunciou a tudo. Então a renúncia de Bento XVI, pelo menos eu avalio assim, foi um ato de grande lucidez, coragem e generosidade. E mais uma coisa: certamente ajudou a Igreja a amadurecer mais para se compreender melhor: ‘a Igreja não é do Papa, a Igreja não é do bispo, a Igreja não é de um líder, a Igreja é de Jesus Cristo, e o Espírito Santo a conduz’. E foi isso que Bento XVI disse naqueles dias, logo depois da renúncia, quando ele recebeu manifestações de todo tipo: ‘e agora, como fica a Igreja?’. E, em certa ocasião, ele disse: ‘fiquem tranquilos, a Igreja não é do Papa, a Igreja é de Jesus Cristo. O Espírito Santo vai providenciar. A Igreja não vai ficar sem pastor’. Ele ajudou a perceber melhor aquilo que, de fato, anima a Igreja. Os homens que têm cargos, que têm responsabilidades, devem fazer o melhor que podem com toda a honestidade e retidão, mas em última análise, quem conduz a Igreja é o Espírito Santo”.

Bento XVI visita o Brasil
Após tomar posse como arcebispo de São Paulo, em 29 de abril de 2007, dom Odilo Scherer teve a honra de ser o anfitrião do Papa em visita ao Brasil em 09 de maio do mesmo ano, dez dias após a posse do seu novo cargo eclesiástico. Ele recorda: “eu estava ainda como secretário-geral da CNBB até o dia 09 de maio. Foi, pra mim, naturalmente um momento muito especial, e também o fato de ficar muito próximo ao Papa naqueles três dias em que ele esteve hospedado em São Paulo no mosteiro de São Bento, convivendo praticamente o dia todo, na saída para os compromissos, mas também depois em um momento mais íntimo das refeições, da celebração em casa”.
As lembranças de Ratzinger revelam particularidades especiais para o arcebispo: “Bento XVI aparecia como uma pessoa muito próxima, atenta. Não era distante nem queria estar distante. À noite, o Papa sentava-se com os monges da casa e a conversa corria muito familiarmente, até mesmo depois da janta, sobre todos os assuntos, e todo mundo fazendo perguntas e o Papa respondendo de maneira muito serena, tranquila e próxima em relação às várias questões”.

O Papa emérito em Aparecida
Por fim, dom Odilo Scherer recordou-se: “depois acompanhamos o Papa até Aparecida, onde ele fez a abertura da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe. E ali, vários outros momentos interessantes: a visita à Fazenda da Esperança, perto de Aparecida, onde estão pessoas que viveram a realidade dura das drogas e do mundo fora da lei. Também, estava lá frei Hans. Eles se conheciam desde a região da Baviera/Alemanha. Frei Hans convidou o Papa, e o Papa foi para o meio desses jovens e pessoas com toda a coragem e responsabilidade, deixando as autoridades e seguranças de cabelo em pé sobre o que poderia acontecer. Mas o papa não teve problemas em ir para o meio dessas pessoas, em ouvi-las e conversar com elas. E é claro que a abertura da Conferência, primeiro a homilia memorável do Papa e depois a conferência, marcaram fortemente o evento, resultando no Documento de Aparecida, – e lá estava Bergoglio -, como membro da V Conferência e como membro da Comissão, aliás coordenador da comissão de redação do texto, que depois viria a ser escolhido como sucessor de Bento XVI”, frisou o cardeal, pontuando que estará presente nas Exéquias de Bento XVI, na manhã do próximo dia 05 de janeiro.

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