André Breton, no Manifesto do Surrealismo, acentua que a proposta do Surrealismo é a de resgatar o sentindo primeiro das palavras para que as mesmas acessem de se comportar como destroços num mar morto, ao sabor das ondas e dos modismos. Isso é uma volta á palavra inaugural de uma verdade e de utilidade imediata. A rigor, pois, é mais do que uma volta, é uma revolta. Como ele mesmo diz: “Cara imaginação, o que mais amo em ti, é que tu não perdoas”. Ele subverte o padrão geral do verso metrificado e rimado.
Portanto, os surrealistas sabem de cor que quando começa o poema e acaba a poesia. Aliás, o surrealismo não se ocupa e nem se preocupa com o corpo abstrato da linguagem, pois se ocupa de sua carne, da sua fala e do seu sentido de conjugação poética.
Veja o poeta cearense Mário Gomes, ele escolhe sem nuance a condição descrita libertina, num gesto da transgressão. Trata-se, pois, de uma mostrar ostensivamente no cerco social, político e moral, quando diz: “A menina louca, maltrapilha e suja, parou em frente à vitrine da Casa Parente, e estática olhava para um manequim feminino/Olhou… olhou… pensou…pensou…/ Dado momento perguntou: “ta com fome, égua? “Esta pergunta causou-me certa impressão, o poeta, que também já conversou com os manequins/ Eu dissera: “se fosse realmente mulher como és de gesso, te daria um prato de comida”/ Será que essa louca é a personificação da poesia?
O poeta apenas se ocupou com o coração de uma coisa e de toda uma linguagem incandescente que se liga e endossa afirmação de Rimbaud: “está em outro domínio e não do lado de fora das coisas”. Ora isso, não se situa nem como construção e nem como desconstrução, mas como cultura de luz, de desejo.
Veja outro poeta cearense Antônio Girão Barroso, foi em certo sentido, profundamente Surrealista, quando ele manifesta o amor: “Eu também espero pelo sol que é você”, ou, nos versos: “Que é difícil, mano/ e canta Loa/ à mulher latino-americana/ dançando rumba e valsa/ num mundo de cinema pintura e organdis”. O poeta se identifica com um ideal, mas omite intencionalmente o que faz da mulher.
Os dois poetas cearenses podem elucidar os caminhos da poesia brasileira contemporânea, ambos excelentes poetas e outros têm sido omitidos, ainda não foram devidamente contemplados pela crítica oficial. Podemos dizer ao nível da vertente do surrealismo de Murilo Mendes. Assim como a do poeta alagoano Jorge de Lima.
Penso oportuno dizer que o Surrealismo, aqui entre nós há poetas jovens que o cultivam com extrema rentabilidade, como foi Roberto Piva, que obteve resultados extraordinários na poesia, como em sua obra de Um estrangeiro na legião. Certamente um dos autores do surrealismo mais decisivos da literatura contemporânea brasileira.
É preciso acentuar que, paralelamente à poesia oficial dos nomes consagrados pela crítica e pelo pensamento acadêmico. Há outra poesia completamente diferente que acontece como fenômeno literário que causa estranhamento.
É claro que estamos nos referindo a uma obra poética construída sob o signo da irreverência, como um processo de linguagem subterrânea.
Quero dizer com isto que discutir construção ou desconstrução, língua ou linguagem, em nível de código, é uma discussão acadêmica, que se detém um circuito-fechado. Ou seja, o conhecimento lógico, racional, formalista, simplista, redutor, na rigidez de seu saber conceitual. Ora, o surrealismo não é uma conceituação, é uma proposição mágica de vida e, como tal, um discurso poético em seu sentido extremo.
Outro fator, esse a meu ver é fundamental e base de qualquer questionamento mais rigoroso. Basta dizer que no plano puramente poético, o surrealismo, mesmo que nos representa uma influência tardia, nos fins de 1962, deram inicio a um núcleo surrealista nos moldes dos famosos “burreraus” dos anos 20 e 30, publicando manifestos e panfletos, bem como as publicações dos primeiros livros de poesias.
Por fim, esse levantamento sobre o pensamento surrealista e do rastreamento dessas raízes, a partir de uma linguagem fundamentadora do surrealismo, não foi preciso, de agregar as influências e preferências dos poetas brasileiros que vão de Allen Ginsberg a Fenando Pessoa; de Whitman a Lautréamont; de García Lorca a Oscar Wilde, dentro outros.
Na verdade é que não podemos explicar a evolução da linguagem surrealista contemporânea brasileira sem uma leitura contextual. E são aí que entra os poetas cearenses, poetas comprometidos com o que deflagrou todo um processo de mudança de rumo, na construção do texto poético brasileiro. Creio necessário acrescentar que o vento da rua nos concerne de perto e faz o Surrealismo na poesia se confundir com a busca das raízes da própria vida, no seu cotidiano.

Jornalista, Historiador
e Crítico Literário.

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