Lucas Monteiro Barbosa
seminaristalucas18@gmail.com

No começo da colonização do Nordeste brasileiro, a agropecuária fora a principal fonte de renda das famílias sertanejas. Também muitos ofícios surgiram, mas quase todos em função da criação de animais e do plantio. Para garantir a economia a partir da pecuária extensiva, fazendo uso do vasto império de pastos dos latifundiários, eram necessários valentes homens que trabalhassem no pastoreio dos animais. Para este ofício, era vital que houvesse o destemor dos mulatos a cavalo na proteção do gado, campeando nas lonjuras do sertão, nas terras inóspitas e adversas da caatinga, aboiando e resgatando o gado arredio. Fora a partir do século XVII que os vaqueiros se popularizaram nas fazendas do Nordeste. De lá pra cá, este personagem fora se afigurando e moldando parte da cultura nordestina como um dos principais personagens do povo.
O vaqueiro, embora não tenha sido o primeiro nem o único, se tornou o protótipo mais conhecido do conceito de “cabra macho” no Nordeste brasileiro. Com sua peculiaridade, própria da conjuntura da terra, o vaqueiro nordestino, especialmente em seu vestuário, é incomparável e imprescindível símbolo de toda cultura sertaneja no Nordeste. Entretanto, o vaqueiro de profissão – não o das vaquejadas e pegas de bois em várias modalidades – está cada vez mais raro. Aliás, segundo muitos vaqueiros aposentados, o autêntico vaqueiro é o de profissão e não o de esporte, e o Nordeste está ficando escasso desse vaqueiro autêntico.
Com os avanços tecnológicos que proporcionaram uma forma mais fácil de pastorear o gado, o vaqueiro do gibão a cavalo parece ter ficado anacrônico. Porém, é possível encontrar, mesmo num mundo tão estranho aos velhos costumes, os fazendeiros que prefiram ter sua criação pastoreada à moda antiga. Destarte, é possível ouvir, ainda hoje, nos rincões nordestinos, o agudo e dolente aboio do vaqueiro reverberar por entre as soltas onde se campeia o gado. É possível ver a pega e derrubada do boi que foge adentrando na mais fechada caatinga. É possível encontrar o descanso dos vaqueiros à sombra do juazeiro, proseando e tomando café ao seu jeito: fervendo a água na pedra fumegante, trazendo em seu alforje o pó do café e rapadura para adoçar a bebida. Por fim, é possível encontrar o “cabra” que, destemidamente, “lute com o gado”.
Este arquétipo de virilidade no Nordeste é exemplificado em Raimundo Jacó, o primo de Luiz Gonzaga, assassinado em 1954, e que deixou um legado para todos os vaqueiros nordestinos. O crime e, sobretudo, a pessoa de Raimundo Jacó foram inspirações para A morte do vaqueiro, uma das canções mais célebres do Rei do baião. Além da canção, Luiz Gonzaga também fora grande incentivador da missa do vaqueiro, realizada inicialmente em Serrita – PE, onde Raimundo Jacó fora morto. Hoje, espalhada em todos os estados nordestinos, a missa do vaqueiro é um evento misturando a celebração ao vaqueiro e o catolicismo, outro alicerce da cultura no Nordeste.
Assim, portanto, define-se o vaqueiro nordestino: imprescindível símbolo do povo de sua região. Homem pobre, mas cheio de coragem e fé, expressando o indômito espírito que tem o nordestino. Traz no alforje a farinha, rapadura e carne seca, mas traz no coração o amor pelo seu trabalho que, na verdade, segundo ele mesmo, é uma vocação. Não se aprende a ser vaqueiro, se nasce vaqueiro. Traz, por fim, em seu aboio, toda sua vida, sofrida, mas cheia de coragem, própria da resistência de seu povo.

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